quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O POETA CAVADOR - MANUEL ALVES

É o Alves que canta agora,
Senhores dai-me atenção,
Vou cantar duas cantigas
Daquelas que melhor são.

O meu canto principio,
Visto que assim me pertence;
Mas não quero que alguém pense
Que venho em desafio...
Nem eu mereço elogio
Da gente que está de fora,
Nem minha voz é sonora,
Nem tem tal delicadeza...
Sei só dizer com certeza:
É o Alves que canta agora.

Esta pouca inteligência
Que de mim estais a escutar,
Se ela vos incomodar,
Ouvi-me com paciência.
Bem podia a Providência
Fazer-me outro Salomão!
Mas faltando esse condão,
Peço aqui, seja a quem for,
Por especial favor:
Senhores, dai-me atenção.

Eu tenho lido na história,
Profana, como sagrada;
Mas o ler não vale nada
Ao que é falto de memória.
Nem tu, do canto ó vitória,
Tens momentos que me sigas!
P'ra tão longe te desligas,
Queres sem mim viver sozinha...
Eu com esta voz mesquinha
Vou cantar duas cantigas.

Mil romances tenho tido,
Dramas de bons escritores,
E sei dizer-vos, senhores,
Que nada tenho entendido!
De bons génios tenho lido
Páginas de perfeição;
Conheço por tradição
Obras de crentes e ateus,
Mesmo as de João de Deus,
Daquelas que melhores são.

in Versos dum Cavador
Manuel Alves

Sem comentários: