domingo, 31 de agosto de 2008
CULTURA: FILHA DE UM DEUS MENOR (3)
Há dias fui visitar o Museu do Caramulo. Até lá chegar, encontrei imensas placas sinalizadoras e indicativas de “museus”, já dentro da Vila, e junto ao museu, nenhuma. Resultado, como não conhecia, andei mais um quilómetro, que, ida e volta, somaram dois.
Para aceder ao museu, paguei catorze euros (éramos dois). Como já passava do meio-dia, e a casa de memória encerrava para almoço das 13 às 14, como não deu tempo para apreciar todo o extenso acervo, saímos e voltámos depois da hora de reabertura. Como saímos cedo, e vendo as placas indicativas de aldeias típicas, fomos visitar a que nos pareceu mais bonita: Bezerreira. Junto à estrada nacional uma placa a indicar a aldeia. Andámos, andámos e lá entrámos no lugarejo típico sem qualquer placa a indicar o nome do lugar. Percorremos a pé a pequena aldeola e, com desdita, vimos as imensas casas em pedra de granito completamente em ruínas. À saída, havia várias estradas sinuosas mas nem uma única placa a indicar qualquer destino. Entrámos na primeira e fomos parar a outra aldeia em sentido contrário ao Caramulo. Lá voltámos atrás e finalmente encontrámos o rumo certo. Quanto custará uma placa? Se não estivesse tão deficitário, palavra que me apetecia oferecer uma ao Presidente da Câmara Municipal do Caramulo.
No dia seguinte fui à Mata Nacional do Buçaco. Como entrei de carro, paguei 2.50 euros. Se fosse de monovolume pagaria 5 euros. Se entrasse a conduzir um autocarro pagaria 25 euros. Para além destas taxas, se visitasse a Capela ou o Museu Militar, que estão encerrados à hora do almoço, teria de, naturalmente, pagar ingresso.
Numa primeira apreciação, a frio, ao pagar entrada para a mata, o primeiro pensamento que nos ocorre é: “está correcto! Esta medida serve de portagem impeditiva que toda a gente leve o popó para o interior da floresta. Este ónus serve de medida protectora do ambiente. Como partimos de premissas erradas, naturalmente que a conclusão será errada também. Esta medida taxativa não pretende proteger a floresta, é no mínimo uma norma economicista que, para além de prejudicar o turismo do Luso, serve apenas e só para realizar verbas. E porque digo eu isto, pergunta você? Muito simples, não existe alternativa. O trajecto entre o pórtico de entrada da mata, o Hotel e a Cruz Alta é bastante longo, e feito em piso de calcário, em paralelepípedos. Como é assim, o resultado é que poucos voltam atrás renegando o pagamento. E aqui é que se prova que se a medida é para proteger a floresta é em vão. Em boa verdade, também não está prevista a desistência, porque não existe junto à portagem nenhum parque de estacionamento.
“E que alternativa deveria haver, já agora conte lá!”, interroga-me você, com ar de que está na presença de mais um “Chico-esperto”. Eu, sem desarmar, explico. Deveria haver dentro da Mata Nacional uns pequenos comboios, estes sim a pagar, que levariam as pessoas a conhecer e a percorrer a densa área de 105 hectares, classificada pelos botânicos como um dos melhores arboretos da Europa. Assim já me calaria. Esta era a verdadeira alternativa. Até vou mais longe: para além destes percursos dentro do interior desta “floresta Amazónica” deveria haver outros desde o Luso até às portas da mata.
Segundo informações que consegui no Luso, parece que há uns cerca de vinte anos a Pensão Alegre, que pertenceu ao Marquês da Graciosa –já agora aproveito para aconselhar a visita, é lindíssima a sua arquitectura antiga e muito bem recuperada-, conjuntamente com a Pensão Regional (também muito bonita e acolhedora), tinham umas “charretes”, puxadas por cavalos, com cocheiros vestidos de farda e a rigor, que faziam um largo percurso. Com o decair das termas, por isso ou por outros factores, a verdade é que acabaram estes transportes típicos.
Depois, há cerca de uma dezena de anos, houve um empresário arrojado que ousou avançar para o transporte de pessoas em pequenos comboios, entre o Luso e a Mata do Buçaco. Requereu as licenças, que lhe foram concedidas, mas não passou do primeiro ano. E aqui começa o desiderato. Para algumas pessoas que ouvi, “foram concedidas as licenças ao investidor, mas ele nunca saiu da Avenida Emídio Navarro. Os motores aqueciam muito até ao Buçaco e ele desistiu e foi-se embora”. Quando pergunto: se nunca saiu da avenida como saberia ele que os motores aqueciam? Esta interrogação fica sem correspondência.
A seguir vêm outras pessoas, que não se querem identificar, que dizem mesmo que durante um ano o comboio circulou entre o Buçaco e o Luso. Porém, os taxistas, vendo-lhes fugir a clientela para o comboio, trataram de fazer a vida negra ao pobre homem, que, assim, sem saudades, logo que pode, partiu. “Olhe, por estas guerras entre profissionais do mesmo ramo, perdemos todos: perdeu o homem, perdeu o turismo e perdeu o Luso!”
Se é verdade ou não, se estes desabafos serão “tricas”, isso não sei, limito-me a escrever o que ouvi. O que sei, em minha opinião, é que o Luso precisa de um transporte deste género para aproveitar o afluxo turístico e, calmamente, tirando partido da mata do Buçaco, poder usufruir daquela maravilhosa e imensa paisagem verde.
Quanto ao facto de se pagar para entrar na floresta, também ouvi uns comentários curiosos: “Olhe, há cerca de uns oito anos, o Movimento dos Jovens Católicos de Luso puseram a correr um abaixo-assinado para que se onerasse o acesso à mata do Buçaco. A medida, para além de ser ecológica, permitiria arrecadar umas verbas que se destinariam à revitalização daquele imenso espaço verde; à sua limpeza, conservação e sobretudo à recuperação das capelas da Via-Sacra, no percurso do Sacromonte.
A verdade é que se implantaram as portagens de acesso e, passados todos estes anos, tudo continua…para pior. As verbas nunca foram empregues para o fim a que se destinavam. As capelas, da Via-Sacra, sobretudo as esculturas originais do século XVIII, provavelmente da escola de Machado de Castro, estão num estado degradado, péssimo, que raia o escândalo, pelo abandono negligente”.
Quando lhe pergunto se acha que esta medida de ingresso onerada prejudica o Luso, este declarante afirma sem pestanejar: “Claro! Esta gente não está absolutamente nada interessada em proteger ou desenvolver seja o que for. Olham apenas para os nossos recursos sobre a bitola economicista. Querem é sacar! Estão pouco interessados na cultura ou na sua perpetuação. Ainda que apregoem o contrário, eles substituíram a memória do passado pelo vazio do presente!”
CULTURA: FILHA DE UM DEUS MENOR (2)
Em Maio, do corrente ano, li no Jornal da Mealhada, em que sou colaborador e assinante, num excelente editorial do seu director, Nuno Castela, em que este defendia determinados pontos de vista para a futura utilização do “Parque Urbano da Mealhada”. Este espaço, junto à Nacional nº1, com cerca de doze hectares, foi recentemente adquirido pela autarquia mealhadense. Nuno Castela defendia uma boa utilização do parque, nomeadamente através de infra-estruturas de lazer, que tornassem aquele espaço, para além de lúdico, também único no concelho. Que não servisse apenas para implantação de um bar, como estava previsto pela Câmara da Mealhada.
Como sou natural do concelho da Mealhada e esta cidade não possui nenhum museu, e, para além disso, possuo muitos objectos antigos, e relativos a profissões em desaparecimento, propus cedê-los gratuitamente a termo em prol deste projecto. Peguei na ideia que tinha apresentado em Coimbra, ou seja o “Centro de Mesteres Antigos –Artes & Ofícios Tradicionais”, adaptei-a a novo figurino, tendo em conta que agora teria de ser implantado em pré-fabricados, mas se estes eram necessários para a construção do bar, facilmente seriam acoplados ao projecto, isto segundo a minha opinião. Elaborei um novo Anteprojecto, fiz um “boneco” para melhor compreensão da minha “proposta académica”, e entreguei um pequeno dossier na autarquia da terra do leitão nos primeiros dias de Junho, e fiquei à espera.
O tempo foi passando. Passou Junho, Julho e Agosto estava no fim e, da autarquia da Mealhada, nada. No dia 26, uma terça-feira, pondo os pés ao caminho, entrei na autarquia, e, na mesma secção onde anteriormente entregara o anteprojecto, mesmo ao lado do Gabinete do Presidente, agora com outra funcionária, e expliquei ao que ia e, mostrando a minha estranheza pelo silêncio, pedi para ser recebido pelo chefe da edilidade. A senhora ficou com o meu número de telemóvel e prometeu que, depois de falar com o presidente, rapidamente me ligaria a responder. Pedi-lhe que, no caso de vir a ser recebido pelo chefe do executivo, se possível, fosse durante esta semana, uma vez que estava de férias e, consequentemente, mais disponível.
Na quinta-feira, à tarde, recebi uma comunicação telefónica da funcionária: “O senhor presidente não recebeu nenhum anteprojecto seu. A minha colega (que o recepcionou anteriormente) está de férias, de modo que só é possível analisá-lo se o senhor voltar a entregar o documento. Para além disso, o senhor presidente não pode recebê-lo esta semana. Quando for possível recebê-lo contactá-lo-ei novamente”. Irritadíssimo por esta profundíssima falta de respeito, neguei-me na hora em entregar novo documento. Se o senhor presidente me quisesse receber muito bem, se não quisesse, tudo bem na mesma.
Depois de pensar melhor, tentei ligar para o mesmo número de telefone mas ninguém me atendeu. No dia seguinte, logo de manhã, estava junto da mesma funcionária a retirar o pedido para ser recebido pelo presidente Carlos Cabral. Pura e simplesmente, com este executivo não queria mais nada. Retorque a funcionária: “não quer? Olhe que afinal o anteprojecto está cá. Alguma coisa aconteceu para o senhor presidente não o ter lido. Não quer mesmo que seja apresentado?” Não, não quero mesmo! Estou farto da vossa falta de respeito. Prefiro apresentar o meu protesto na Assembleia Municipal, respondi irritado.
Dali, saí à procura da funcionária encarregue de fazer a inscrição para a Assembleia que, segundo informações prestadas, trabalhava numa secção de “obras particulares”, num outro edifício, a cerca de 100 metros da Câmara Municipal.
Entrei na referida secção e, ao funcionário presente, dizendo ao que vinha, solicitei a senhora encarregue da anotação. Responde o funcionário secamente: “a senhora (…), de facto trabalha aqui, mas agora está na Câmara Municipal, portanto, se quiser falar vá lá e procure por ela!”. Eu já estava irritado pelo que me tinha acontecido e, ainda para mais, como se estivesse em dia não, ainda tinha que aturar um mau funcionário, que de prestador de serviço público tinha muito pouco. Passei-me. Exigi que ele, através do telefone, contactasse a senhora, que era a sua obrigação. O seu serviço público era servir o cidadão e não contrário. O homem é que não estava pelos ajustes: se o interesse era meu que fosse à procura da senhora. Então atirei-lhe com o ultimato: o senhor não a chama, nesse caso, faça o favor de me apresentar o “livro amarelo”. Como uma mola, o homem virou-se para trás e colocou-mo à frente. Para os meus botões pensava: bom, não tenho mesmo outro remédio senão lavrar o meu protesto no livro.
Numa fracção de segundos, o homem pega no telefone e procura a funcionária e fala com ela, dando-lhe conta de que eu estaria à espera.
Veio a senhora, depois dos cumprimentos, disse-lhe que pretendia inscrever-me para a próxima sessão da Assembleia Municipal. A funcionária, de meia-idade, muito simpática por sinal, dividida entre a surpresa e a dúvida, exclamou: “inscrever-se para a Assembleia? Mas olhe, que aqui, nunca inscrevi ninguém! Quem quer assistir ao debate vai, sem inscrição, e no fim da sessão, depois dos dossiers apresentados, o Presidente da Assembleia Municipal pergunta aos presentes se algum se quer pronunciar acerca dos assuntos em debate. Mas é sempre só e apenas sobre os assuntos pendentes”.
Lá expliquei à senhora que, para denunciar ou anunciar qualquer assunto referente ao município, o acesso a uma assembleia municipal, depois de inscrição prévia, é público, enquanto órgão fiscalizador do executivo municipal. Para além disso, é um direito Constitucional de qualquer cidadão em exercício pleno dos seus direitos.
Lá ficou então, mais uma vez, com o meu número de telemóvel para, depois de falar com o presidente da assembleia, me contactar.
Agora pergunto-lhe leitor: que tipo de país é este? Que raio de pacovismo enfermam estas autarquias, em forma de paróquias, capelas e capelinhas? Esta ignorância, este obscurantismo, esta falta descarada de respeito pelo cidadão e pela cultura, a quem beneficia?
Como pode um país, com este serviço público, caminhar para a frente em direcção ao TGV, à Internet, ao século XXI, se ainda estamos na idade da pedra, no paleolítico social?
CULTURA: FILHA DE UM DEUS MENOR (1)
Em Fevereiro, deste ano, ao saber do iminente desmantelamento do Museu Nacional da Ciência e da Técnica, Doutor Mário Silva, em Coimbra, para além de medidas que visavam evitar o seu total encerramento, levando em conta a falta de iniciativas culturais que elevem a auto-estima e a revitalização da zona histórica, elaborei um anteprojecto escrito, em forma de “proposta académica”, que enviei a várias entidades com responsabilidades políticas na Baixa, entre elas, a Câmara Municipal de Coimbra, a ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, a APBC, Agência de Promoção para a Baixa de Coimbra, o INATEL, a Reitoria da Universidade de Coimbra, juntas de freguesia de São Bartolomeu e de Santa Cruz.
Certamente, estará a interrogar-se, afinal de que tratava este “Anteprojecto em forma de ideia”? Pois bem, eu explico, começando por apresentar as partes dispersas: tendo em conta que existe em pleno coração da Baixa um edifício vazio, e sem qualquer utilização, com 600m2, na Rua da Sofia, o antigo quartel DRM, e protocolado à Universidade em regime de cedência; tendo em conta que o Museu Nacional da Ciência e da Técnica tem um espólio valiosíssimo, disperso pela cidade e fora dela, desde a mais antiga lâmpada fosforescente de que há conhecimento, alfaias agrícolas, as primeiras galenas (primeiros rádios de captação de ondas hertzianas, do inicio de 1920), os primeiros Gramophones de Thomas Edison, quatro carros e duas avionetas do Estado Novo que nunca foram mostrados ao público, e milhentos instrumentos importantíssimos no desenvolvimento da Ciência e da técnica entre meados do século XIX e finais de XX, para além deste extraordinário acervo museológico; tendo em conta que ao remexer neste assunto do museu descobri que havia sete funcionários “emparteleirados”, sem trabalho distribuído, e a receber salários, mensalmente, sem que ninguém se importasse com o seu rendimento laboral; tendo em conta a carência de “empreendimentos-âncora” que levem pessoas para a Baixa, porque não juntar os elementos e fazer um “Centro Comercial de Mesteres Antigos –Artes & Ofícios Tradicionais”? Este “centro comercial”, seguindo a linha dos modernos centros de consumo, teria, no entanto, uma diferença: estaria vocacionado apenas para o antigo, para artes e profissões em desaparecimento, como, por exemplo, sapateiros, barbeiros, latoeiros, tanoeiros, etc. Para além disso, ao fim de semana, muitas profissões e jogos tradicionais (como, por exemplo, o vendedor de banha da cobra e o jogo de saltar à corda, entre outros) seriam apresentadas teatralmente. Assim como, e contrariamente a esta interactividade, tendo em mira a preservação museológica de objectos, teria uma parte inactiva, representativa de profissões, onde não faltava a de prostituta, com uma secção apenas dedicada a objectos de culto de índole sexual.
Neste Anteprojecto estava prevista a entrada de mecenas e dadores de arte contemporânea ou objectos antigos coleccionáveis que, preocupados com o fim que levariam as telas, os brinquedos antigos, faianças ou as porcelanas da Vista Alegre, após a morte do coleccionador, poderiam ali dar prolongamento ao seu gosto pelo coleccionismo, e, através do seu nome referenciado, evitariam o espartilhamento pelos herdeiros de algo tão precioso que, durante décadas constituiu o sal da sua existência, o preenchimento de um vazio inexplicável, e, que para além de tudo, levou uma vida a construir.
O coleccionador está para a arte como o caçador está para a presa; pode levar uma vida inteira para conseguir uma peça rara, mas não desiste nunca de a perseguir. Um dia, quando menos espera, cai-lhe nos braços. A seguir a esta luta titânica vem a pergunta: “quem vai dar valor ao que tanto me custou conseguir? Assim que eu fechar os olhos, os meus herdeiros, ávidos por dinheiro, como aves de rapina, inevitavelmente vão vender tudo ao desbarato”.
Como qualquer escritor ou artista em geral, o coleccionador é um ser vaidoso, dividido entre o narcisismo e a alteridade. Para além de objectos para a sua colecção persegue o culto da imagem através do acervo da memória. Para além disso, quer projectar no futuro a sua passagem terrena, através dos objectos que juntou e ser recordado como uma pessoa sensível que, através da pesquisa, a expensas suas, contribuiu para a memória futura de um povo. O seu espólio, no seu sentir, é uma extensão da sua individualidade e pessoa, é a sua própria identidade projectada em peças que lhe lembram o passado, nas suas reminiscências, e o futuro em ser recordado.
Por isso, nos nossos dias, há imensas pessoas que, quer pelos motivos acima apontados, quer por um altruísmo sem descrição, entregam as suas obras, os seus amores de uma vida, para serem preservados e mantidos expostos em museus.
Infelizmente, por um lado, constata-se que, no caso de algumas autarquias, aceitam mas, a seguir, não respeitam a vontade do benemérito. Por outro lado, por uma tremenda ignorância, acabam por não dar valor ao que lhes é dado de mão-beijada. Para piorar, algumas, nem sequer se dão ao trabalho de aceitar.
Para terminar o meu texto, e ainda relativo ao meu Anteprojecto, gostaria de lhe dizer leitor que nenhuma entidade, que citei, se deu sequer ao trabalho de me responder.
Mas não foi a única. Há mais! Conto a seguir, para não maçar.
A MISÉRIA DO INTERIOR
SOMOS CONVIDADOS, ATRAVÉS DE PLACAS SINALIZADORAS, A VISITAR "ALDEIAS TÍPICAS". COMO QUALQUER CURIOSO QUE SE PREZE, VAMOS, E O QUE SE NOS DEPARA? IMENSAS CASAS DE CALCÁRIO EM RUÍNAS QUE FAZ DOER O CORAÇÃO. E AS QUE ESTÃO RECUPERADAS, O RESTAURO FOI FEITO SEM QUALQUER CRITÉRIO. QUE PENA! NÃO HAVERÁ NINGUÉM QUE VEJA A RIQUEZA QUE TÊM ENTRE MÃOS? VALHA-NOS TODOS OS SANTOS DA CAPELA!
DEPOIS HÁ OUTRA QUESTÃO: PORQUE NOS CONVIDAM? PARA VER A MISÉRIA E A DECREPITUDE? SERÁ PARA ISSO? OU, PELO CONTRÁRIO, SERÁ UM "STUDY CASE", EM QUE OS AUTARCAS NOS QUEREM FAZER SENTIR A PENA, O DÓ, E A DOR DE VERMOS ESTE "DESFAZER" DA MEMÓRIA SEM PODERMOS INTERVIR? SERÁ ASSIM UMA ESPÉCIE DE TERAPIA DE CHOQUE, COMO A DIZER-NOS: "VÃO-SE HABITUANDO PORQUE NO FUTURO SERÁ MUITO PIOR!"
(ALDEIA DE BEZERREIRA -CARAMULO)
VOLTO...JÁ!
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
OS SETE ESPECTADORES DO APOCALIPSE
Domingo à noite, dia 24 de Agosto, no Teatro Messias da Mealhada, o cartaz anuncia a sessão para as 21,30: “Batman, o cavaleiro das trevas”.
À hora marcada, para início do filme, entrámos, eu e a minha esposa, e estranhámos a sala vazia. No Balcão éramos os únicos. Olhávamos para baixo, para plateia e não víamos viva alma. Especulativamente, em analogia, pensámos, bom a sala vazia tem a ver com o título do filme: trevas. Só podia ser isso. Veio o intervalo e, para nossa surpresa, afinal não estávamos sós, havia mais cinco espectadores.
E, o que é que isso terá de especial, perguntará o leitor, nos modernos multiplexes também não acontece isso? Acontece sim, é verdade. Mas há uma diferença, no cinema privado o sucesso de uns filmes, na sala ao lado, dão para outros menos concorridos. Chamo à colação o “privado” porque o Teatro Messias é de concessão pública. Foi a Câmara da Mealhada que o recuperou, e reinaugurou em 2001, gastando vários milhares de contos na sua beneficiação e, directamente, faz a sua exploração económica e financeira, através de, entre vários eventos, filmes em cartaz e teatro de revista.
E fez mal? Interroga-me você, meio desconfiado, tentando descortinar onde quero chegar. Não, não fez. Acho que fez até muito bem ao chamar a si o restauro e a revitalização de um edifício que, estando praticamente em ruínas, foi um marco histórico na Mealhada –inaugurado em 18 de Janeiro de 1950, por Messias Baptista, o seu grande impulsionador, para, sem fins lucrativos, servir culturalmente a comunidade Mealhadense, veio a encerrar definitivamente, já num estado decrépito em 1990.
A troco da sua posse a termo, salvo erro, durante cinquenta anos. Respondo ainda mais: ainda bem que o fez, ainda bem que adquiriu o cine-teatro do Luso, e oxalá outras autarquias do país seguissem o exemplo da cidade do leitão e, contrariamente a esta, com uma visão apenas economicista, deixem cair em ruínas os animatógrafos, aos poucos, quase deliberadamente, no esquecimento, daqueles cuja memória estão bem presentes como “Cinema Paraíso”.
Mas, então? Agora é que não percebo mesmo nada onde quer chegar, reclama você. Tenha calma. Eu explico. O executivo bairradino, ao adquirir uma sala de espectáculos, que é um marco importantíssimo na cultura, e custeando as obras de restauro, para uma cidade que de outro modo, através da iniciativa privada seria parcialmente impossível, está perfeitamente de acordo com o que se entende por “serviço público”. O que discordo é que a sua exploração seja deficiente e fique aquém do seu âmbito social. A autarquia, a troco de 3euros, por pessoa, possibilita a todos a facilidade de assistir a um filme actual e de cartaz. Lembro que em qualquer sala multiplex um bilhete custa 5.50euros. Acontece que, num desinteresse atroz, ou talvez não, as pessoas mesmo assim não vão. Então, como não se deslocam, numa sala para três centenas e meia de pessoas, com todos os custos inerentes, luz, pessoal, manutenção do edifício, amortização, nalguns casos, como neste que relato, o filme é projectado para os sete espectadores que referi.
Se, por motivos vários, as pessoas não vão, nesse caso, é preciso que a autarquia, continuando o espírito do “serviço público”, não se fique, de braços cruzados, apenas pela oferta do espaço a troco de uma módica quantia, à espera de quem não prometeu ir. Num gesto sócio-cultural sem discussão, e nos espectáculos que prevê pouca afluência, deveria oferecer bilhetes às juntas de freguesias para que estas os distribuam por quem entendam. Bem sei que logo haverá críticas de que é uma medida eleitoralista, mas o que é que é melhor, do ponto de vista cultural, sabendo que os custos fixos são os mesmos, será ter a sala vazia ou completa, mesmo que seja através de ingressos oferecidos? Penso que esta pergunta é de retórica, não oferecendo contestação.
Não nos devemos esquecer que o concelho da Mealhada é profundamente rústico, de uma ruralidade assente em séculos, e há pessoas, sobretudo reformados, que nunca entraram num cinema. Como não têm hábitos inculcados, evidentemente que a sua não convivência cultural, resultado da sua ignorância e desconhecimento, para eles é completamente desnecessária e despicienda.
Ora, mais uma vez chamando a atenção para o espectro de “serviço público”, estou certo que todos concordamos que criar hábitos nos cidadãos, de leitura, de frequentar museus, de dançar, assistir a peças de teatro, ir ao cinema, é realmente um investimento educacional, um serviço básico que cabe ao Estado despoletar.
O que leva ao desaparecimento de locais de culto da nossa memória é a sua não frequência pelos cidadãos, umas vezes porque não foram criados hábitos desde pequeninos, outras vezes, numa mimética de carneirada, vamos todos atrás de modas consumistas. Quando estes templos de memória encerram, ficando naquele espaço uma cratera, um fantasma de um edifício, um vazio de história que nos toca e fere, abrimos todos a boca de espanto: ahhhh! Que pena!
domingo, 24 de agosto de 2008
sábado, 23 de agosto de 2008
ACHEI "A ORIGEM DO MUNDO"
("A ORIGEM DO MUNDO" -GUSTAVE COURBET 1866)
Passeava na rua lentamente,
sem ter nada que fazer,
olhava os rostos das gentes,
por entre uma chuva corrente,
tentava adivinhar no rosto, e ler,
se eram ateus ou crentes,
foi então, num raio de sol nascente,
num recanto escuro de prazer,
em sombra perdida de olhares carentes,
encontrei aquela pintura quente,
olhando as gentes que olhavam a correr,
interroguei se acaso eram parentes,
fugiam de mim, dela, como serpente,
saracoteia, em volta antes de morrer,
e eu, sem perceber nada, porque fugia a gente,
daquele paraíso carnal dolente,
imagem que convidava a entrar sem sofrer,
porque é que uma pessoa mente,
nunca diz aquilo que sente,
derrete-se toda para ter,
teatraliza e ilude a gente,
embora diga não querer,
mata pelo desejo que sente,
o gozo pode ser curto e saber,
mas ao desejo não se mente,
vida sem prazer não é viver,
é estar morto clandestinamente.
Passeava na rua lentamente,
sem ter nada que fazer,
olhava os rostos das gentes,
por entre uma chuva corrente,
tentava adivinhar no rosto, e ler,
se eram ateus ou crentes,
foi então, num raio de sol nascente,
num recanto escuro de prazer,
em sombra perdida de olhares carentes,
encontrei aquela pintura quente,
olhando as gentes que olhavam a correr,
interroguei se acaso eram parentes,
fugiam de mim, dela, como serpente,
saracoteia, em volta antes de morrer,
e eu, sem perceber nada, porque fugia a gente,
daquele paraíso carnal dolente,
imagem que convidava a entrar sem sofrer,
porque é que uma pessoa mente,
nunca diz aquilo que sente,
derrete-se toda para ter,
teatraliza e ilude a gente,
embora diga não querer,
mata pelo desejo que sente,
o gozo pode ser curto e saber,
mas ao desejo não se mente,
vida sem prazer não é viver,
é estar morto clandestinamente.
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
Vamos lá a ser homenzinhos!!!
"A reunião do executivo da Câmara da Mealhada ficou ontem marcada com o pedido de suspensão de mandato do vereador do PSD João Pires. Depois de Gonçalo Breda Marques, que também suspendeu o seu mandato de vereador há alguns meses, Carlos Marques assume a bandeira “laranja” no executivo camarário de maioria socialista praticamente sozinho, sendo voz corrente nos meandros políticos da Mealhada que a actual comissão política do PSD local, liderada por César Carvalheira, quer “isolar” Carlos Marques, o vereador e militante “laranja” que ousou defrontar em eleições o actual presidente da concelhia (ver caixa)."
Sem uma boa oposição não há bons "governos"!
Como quer o PSD oferecer uma alternativa credivel para a nossa autarquia com este tipo de situações?
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
LUSO: AS OBRAS DE SANTA ENGRÁCIA
O REPRESENTANTE QUE NÃO SE JULGA REPRESENTAR E OS
REPRESENTADOS QUE NÃO DEPOSITAM CONFIANÇA NO REPRESENTANTE.
Segundo a última edição do Jornal da Mealhada (JM), “Após alguns comerciantes do Luso terem enviado uma petição à Câmara Municipal da Mealhada (CMM), no passado mês de Julho, a solicitar apoios e formas de compensação para colmatar os prejuízos que estão a ter com as obras que estão a ser feitas na Fonte de São João e na Avenida Navarro, desta vila, muitos garantiram, à repórter do Jornal da Mealhada, que vão encerrar os seus estabelecimentos comerciais no próximo mês de Setembro.”
Continuando a citar o jornal, “Sabemos que os negócios estão a sofrer uma quebra, a nível nacional, devido à crise que estamos a viver, contudo, aqui no Luso, na altura do verão, o negócio costumava correr bem. Este ano, o negócio está péssimo porque os visitantes queixam-se do barulho e da poluição a que estão sujeitos quando passeiam pela vila”, afirmou uma comerciante que não se quis identificar. E acrescentou: “Mas o mais grave é que da parte da Câmara da Mealhada tinham-nos dito que as obras não iam parar e afinal estão paradas durante quinze dias. O Luso está com um aspecto horrível”.
Continua a notícia no JM, “ (…)Sobre a petição que foi feita por alguns dos comerciantes da freguesia de Luso e entregue na CMM, contactámos Nuno Alegre, representante dos comerciantes e hoteleiros do Luso, que afirmou: “Há pouco tempo estive numa reunião com elementos da Câmara Municipal da Mealhada e fui confrontado com esta petição. Não fazia ideia de que existia e não assinei nada. Não tenho nada a ver com isso”.
Ponham-se a pau!!
"O proprietário de um bar em Mindelo, em Vila do Conde, foi detido, esta quarta-feira de madrugada, por alegadamente ter trancado no estabelecimento, durante 45 minutos, dois militares da GNR que tinham ido ao local após uma denúncia de ruído. "
In Jornal de Notícias
Pois é!!!
PS: é difícil arranjar tema para falar!!!
Não se passa mesmo nada!!! Aproveito e deixo-vos música!
quarta-feira, 20 de agosto de 2008
NÃO NOS DEIXES MARTHAS!
(MAIS UM GRANDE ESTABELECIMENTO QUE ENCERRA NA BAIXA)
O velho Marthas, com 98 anos finou-se. Desde a implantação da República, em 1910, que “morava” na Praça Velha, em Coimbra. Se alguém se lembra dele, isto é, se o visitaram nos últimos meses, parecia vender saúde. Gostava de livros, e tudo o que se relacionava com cultura. Ensinava a pintar. Tinha tintas, pincéis, imensos lápis, esferográficas e tudo o que se precisava no escritório.
Gostava tanto do velho Marthas. E vai fazer tanta falta. A Praça do Comércio, sem ele, não voltará a ser a mesma. Morre sem sequer uma homenagem, sem uma oração de despedida. Aposto que morre angustiado com esta “república” desordenada, sem consideração para a maioria dos seus filhos, que, esvaziada de ideais republicanos, “peito-cheio” de ultraliberalismo, se revelou um fiasco para o velho combatente da liberdade de livre-comercializar. Com a sua queda arrasta também um pouco de nós. Só o futuro, aquando da sua ausência sentida, irá mostrar a falta que nos faz a todos.
Como eu gostava do meu amigo Marthas. Era um ícone para toda a Baixa. A sua sabedoria não tinha limites. Tinha várias mulheres. Deixa cinco. Quatro desamparadas, no desemprego, uma delas com um bebé recente. Só uma fica melhor, mantendo o emprego. Quando lhe pergunto porque decidiu o Marthas morrer agora, quase com uma lágrima a saltar, responde: “que quer? Ninguém se importa! 98 anos de história…que se apagam! A dor que sinto, meu Deus! Apesar de tudo, entre as cinco, sou a que fico amparada”.
Por coincidência ou não com o mês da Implantação da República, o Marthas só em 31 de Outubro vai ser trasladado para a Adémia, onde irá ser “enterrado” sem pompa, sem glória, sem circunstância.
Até Outubro próximo vai ser exposto em câmara ardente e, em pungidos lacrimejantes, vai ouvir de si, que pouco o visitou em vida, de outros que nunca se dignaram entrar na sua alma, no velho edifício de seiscentos, com colunas e capitéis em pedra centenária de Ançã, de mim, com cara sofrida, mas que fui pouco amigo, frases sentidas no género: “não nos deixes Marthas!”
Mais um que nos deixa. Haja alguém que evite esta razia.
PAZ À SUA ALMA!
O velho Marthas, com 98 anos finou-se. Desde a implantação da República, em 1910, que “morava” na Praça Velha, em Coimbra. Se alguém se lembra dele, isto é, se o visitaram nos últimos meses, parecia vender saúde. Gostava de livros, e tudo o que se relacionava com cultura. Ensinava a pintar. Tinha tintas, pincéis, imensos lápis, esferográficas e tudo o que se precisava no escritório.
Gostava tanto do velho Marthas. E vai fazer tanta falta. A Praça do Comércio, sem ele, não voltará a ser a mesma. Morre sem sequer uma homenagem, sem uma oração de despedida. Aposto que morre angustiado com esta “república” desordenada, sem consideração para a maioria dos seus filhos, que, esvaziada de ideais republicanos, “peito-cheio” de ultraliberalismo, se revelou um fiasco para o velho combatente da liberdade de livre-comercializar. Com a sua queda arrasta também um pouco de nós. Só o futuro, aquando da sua ausência sentida, irá mostrar a falta que nos faz a todos.
Como eu gostava do meu amigo Marthas. Era um ícone para toda a Baixa. A sua sabedoria não tinha limites. Tinha várias mulheres. Deixa cinco. Quatro desamparadas, no desemprego, uma delas com um bebé recente. Só uma fica melhor, mantendo o emprego. Quando lhe pergunto porque decidiu o Marthas morrer agora, quase com uma lágrima a saltar, responde: “que quer? Ninguém se importa! 98 anos de história…que se apagam! A dor que sinto, meu Deus! Apesar de tudo, entre as cinco, sou a que fico amparada”.
Por coincidência ou não com o mês da Implantação da República, o Marthas só em 31 de Outubro vai ser trasladado para a Adémia, onde irá ser “enterrado” sem pompa, sem glória, sem circunstância.
Até Outubro próximo vai ser exposto em câmara ardente e, em pungidos lacrimejantes, vai ouvir de si, que pouco o visitou em vida, de outros que nunca se dignaram entrar na sua alma, no velho edifício de seiscentos, com colunas e capitéis em pedra centenária de Ançã, de mim, com cara sofrida, mas que fui pouco amigo, frases sentidas no género: “não nos deixes Marthas!”
Mais um que nos deixa. Haja alguém que evite esta razia.
PAZ À SUA ALMA!
terça-feira, 19 de agosto de 2008
O RETIRAR DA PALAVRA
Segundo o Diário de Coimbra de hoje, em título de primeira página, “Vereador fica sem palavra e demite-se em plena reunião”.
“Álvaro Seco demitiu-se do cargo de vereador responsável pela Protecção Civil e pela Companhia de Bombeiros Sapadores da Câmara Municipal de Coimbra. Eleito pelo PS nas autárquicas de 2005, Seco entregou o pelouro a Carlos Encarnação, depois do presidente do município lhe ter retirado a palavra na sequência de uma discussão, que começou com a abordagem à instalação de uma Central Térmica de Ciclo Combinado de Taveiro, mas que acabou com a co-incineração “metida ao barulho (…)”.
A co-incineração, para além da contestação de que não devem ser queimados resíduos perigosos em Souselas, nesta discussão pueril, com custos elevadíssimos para o ambiente e para o país, que se arrasta há demasiados anos, depois de queimar um executivo (Manuel Machado, 1994-2002), desta vez incinerou um vereador.
Em contracorrente, em minha opinião, a co-incineração tem sido tratada, e aproveitada, em Coimbra, como um problema político, de luta partidária, de interesses pessoais, sem ter em conta os superiores interesses do país.
Entretanto, no vai-e-vem de recursos para o Tribunal Administrativo, a vizinha Espanha, recebendo as milhares de toneladas de lixo tóxico, e esfregando as mãos de contentamento, exclama: “discutam à vontade “portuguesitos”, tenham calma, até chegarem à conclusão que o melhor local de implantação para a co-incineração é Marte, nós recebemos os vossos dejectos de braços abertos…nuestros hermanos!”
segunda-feira, 18 de agosto de 2008
COMÉRCIO TRADICIONAL: UMA MENTALIDADE TACANHA
Hoje, 17 de Agosto, ao ler no jornal PÚBLICO a notícia com o título “Associação Comercial de Viseu está a rever o modelo da iniciativa Noites Brancas, onde se lê, a determinado passo que “esta Associação Comercial do Distrito de Viseu (ACDV) está a repensar o formato das Noites Brancas, depois da fraca adesão por parte dos lojistas do centro histórico da cidade à última edição da iniciativa. As Noites Brancas de Viseu, decorreram nas sextas-feiras do período entre 11 de Julho e 8 de Agosto passado, só contaram este ano com meia dúzia de comerciantes que aceitaram prolongar o horário de funcionamento dos estabelecimentos até às 23h00.” Relembro que o conceito “Noites Brancas” é um formato importado de outros países no sentido de representar para o comércio tradicional uma espécie de pedrada no charco, para que através do movimento alegórico, de animação e artes, conjuntamente com o comércio aberto nesses dias, até quase ao bater da meia-noite, o consumidor perceba que ali, nos centros históricos, vive e sobrevive e sobretudo trabalha gente.
Continuando a citar o PÚBLICO (…) “os comerciantes justificam que não vale a pena prolongar os horários dos estabelecimentos, por não acreditarem que, durante a noite, vendam mais do que durante o dia. “Não há clientes”, atira uma das lojistas da Rua Direita. Explica que abrir as portas do estabelecimento para além do horário habitual a impediria de jantar. A outra hipótese implicaria pagar horas extraordinárias ao único empregado que ainda mantém. O fraco volume de negócios dos últimos anos obrigou-a a reduzir o número de funcionários de seis para um. Aquele que resistiu à crise só ainda não foi despedido porque “não há dinheiro para lhe pagar a indemnização”, acrescenta a mesma lojista.”
Vamos por partes. Primeiro, como ressalva de interesses, sou comerciante. Trabalho no comércio desde os meus 16 anos (tenho 51). E digo isto para que se não pense que sou uma andorinha esvoaçante a comentar um assunto de que tenho informação mas não possuo conhecimento. Noutras áreas é verdade, que, como outras pessoas que escrevem, só possuo mesmo a informação e comento-a como se fosse um grande teórico, sejamos honestos. Não é o caso aqui. Passando a imodéstia, sei do que falo.
E, ao ler este texto do jornal, não fico surpreendido. Um dos maiores problemas do comércio de rua é a falta de fé, acoplada com uma mentalidade tacanha, residual no “deve” e “Haver”. Para além da campainha da máquina registadora não conhecem mais nada. A maioria destes comerciantes (velhos, com toda a carga negativa do tempo que a frase possa ter) herdaram os negócios dos pais. Não foram eles que os criaram, se assim fosse talvez pensassem de uma outra maneira. Se os seus parentes hipoteticamente viesse outra vez à terra iriam ensinar-lhes que o comércio é realmente uma profissão mercantil, mas, acima de tudo, é uma arte, onde a sensibilidade e a sua razão de ser é o bem comum. “Negócio” é, como sabemos, a negação do ócio. Aquele que, em vez do lazer, do descanso, da preguiça e da inacção, opta pelo trabalho, pela construção, mesmo assente nas mais-valias, busca, é certo, o seu interesse individual, mas, nesta prossecução egoísta, como dizia Adam Smith, no século XVIII, “todos os indivíduos são levados, como que por uma mão invisível, a atingir o melhor benefício comum”. A propagação do consumo é o único fim e propósito de toda a produção e é através dele que se atinge um estádio de desenvolvimento imparável como o dos nossos dias. Comerciar é uma profissão que remonta ao início da humanidade. Lembremo-nos de povos da Antiguidade, que foram grandes viajantes expansionistas de todo o globo –muito antes dos descobrimentos portugueses-, os Gregos e os Fenícios, que, nas suas trocas, por artes e manhas se elevaram na classe social e, na História Universal, da lei da morte se libertaram.
Ora se esta gente, esta classe de comerciantes contemporâneos, só pensa em si mesma, no seu umbigo, nada dá sem receber em dobro, como poderão eles crescer? Se só vêem o imediato –negócio, negócio-, como podem eles contribuírem para o bem comum? Se acreditarmos no princípio de que só cresce quem reparte, logo estas pessoas, inevitavelmente, estarão condenadas a desaparecer.
E se tenho este parecer, não se pense que não continue a reivindicar urgentes apoios do governo para estas e outras pequenas empresas para que, através da sua sobrevivência, mantenham os vários empregos familiares e assim prescindam do apoio do Estado no tocante a subsídio de desemprego.
Mas, se para estas pessoas, que para além da máquina registadora não existe mais mundo a repartir, só interessa a sua gaveta, como é possível sair desta crise, mesmo que o governo intervenha? Para estes comerciantes, que nem amostras são dos antigos grandes beneméritos, as zonas onde estão inseridos são apenas para extrair ou sugar. Actuam como parasitas. Servem-se da cidade do mesmo modo que alguém se serve de uma prostituta, ou seja, sem qualquer respeito pela sua intrínseca dignidade.
A crise no comércio tradicional não é só comercial é essencialmente social e os resultados estão à vista de todos. Admite-se que, nos tempos difíceis que se vivem, as lojas continuem a encerrar às 19 horas em ponto? Admite-se que continuem a encerrar das 13 às 15horas? Admite-se que continuem a encerrar ao sábado às 13 horas?
O comércio, enquanto grande instituição de mérito histórico, prescinde desta gama de comerciantes pacóvios, preguiçosos, de mentalidade rasteira e ultrapassada. Encerrem as vossas lojas quanto antes e dêem lugar a gente nova, com garra e vontade de trabalhar e desenvolver as cidades, vilas e aldeias.
Olhem, vão bugiar! É o mínimo que, a praguejar, depois de ler a notícia, posso escrever.
sábado, 16 de agosto de 2008
HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (31): UM TIRO PARA TODA A VIDA
(A CAPELINHA DAS ALMINHAS EM BARRÔ. TÃO PEQUENINA EM EDIFICADO MAS TÃO GRANDE NA ESSÊNCIA DAS GENTES DESTA TERRA)
Era terça de Carnaval, naquele longínquo dia de 23 de Fevereiro de 1982. Normalmente, em Barrô, na minha aldeia, o dia era mais um igual, no calendário, que passava a correr. Há quem diga que no Entrudo os tristes, durante o ano, enfiam a máscara e, nos três dias de folia, tornam-se alegres e capazes das graças mais audazes. Porém, ou para desmentir o adágio ou não, a verdade é que os habitantes do meu lugar de eleição sendo tristes todo o ano, mesmo no carnaval continuavam a sê-lo. Raramente alguém se mascarava. De vez em quando havia excepções, é verdade, mas o habitual era esta quadra ser igual a uma outra qualquer.
Naquela terça, que o meu amigo Jorge, filho do “Zé” Maria Barbeiro, jamais esquecerá, o então rapaz, com 19 anos, cheio de força na guelra, iria concretizar uma ideia que, nos dias antecedentes, lhe andava a matutar na cabeça: iria fazer, no lugar, um dia diferente. Na sua casa, tinha um foguete que tinha crescido do dia de Páscoa do ano anterior e deixado pelo Manuel “Fanangueiro”. Quase sempre era este homem que mandava os petardos para o ar no dia das festas da aldeia. Numa militância continuada, tal como no Rio de Janeiro, em 20 de Janeiro, dia e mês da festa de São Sebastião, padroeiro do lugar, na festa de São José, padroeiro dos trabalhadores e da família, ou nas Alminhas, uma pequena capelinha onde, a caminho dos campos do Ribeiro ou da Lapa do sino, os assalariados deixavam uma pequena oração às almas dos que partiram. Nesse tempo, no início da década de 1980, esta pequena ermida estava isolada das restantes casas da população. Hoje, para o bem e para o mal –quanto a mim mal, deveria ter sido salvaguardado um pequeno terreiro em volta- esta pequena edificação está rodeada de casas, retirando-lhe a grandiosidade espiritual merecida. Um dia destes descreverei a importância que este pequeno templo teve na minha infância. Era nele que, enquanto criança, a caminho da escola primária da Lameira de S. Pedro, eu depositava as minhas esperanças, os meus medos e os pedidos de auxílio. Interessantíssimo, a meu ver, através da negociação e das promessas a cumprir: Alminhas, se me ajudares no ponto escrito, faço isto, se me ajudares a cumprir aquela tarefa farei aquilo.
Voltando ao Jorge, no dia de Carnaval de 1982, como tinha lá em casa um foguete de rebentamento foi convidar o Carlos “Maçãs” e o João Morais para, juntos, lançarem o foguete –para quem não souber, é um petardo pirotécnico ou de artifício composto por uma pequena quantidade de explosivo e de um pavio, que enrolado a uma cana, e depois de se incendiar a mexa, iniciando a combustão, eleva-se no ar e provoca um ou vários rebentamentos em forma de tiro. Estes artefactos ruidosos desde sempre foram muito usados nas aldeias de todo o Portugal para publicitar as festas populares, romarias ou celebrações eucarísticas. Era do conhecimento popular que onde estoirasse um foguete –e ouvia-se a dezenas de quilómetros- havia festa com certeza, numa aldeia portuguesa.
Mas o Jorge, fruto da sua pouca idade ou não, não tinha nem os cuidados nem a mestria do “fanangueiro”. E, para aumentar a negligência, retirou a bomba com explosivo da cana. Qualquer mestre em lançar foguetes sabe que um petardo sem cana é como uma arma carregada, pronta a disparar, nas mãos de uma criança. Assim que tocar no gatilho explode. E foi o que aconteceu, o Jorge incendeia o pavio, como não tinha cana direccional que o faz elevar no ar, em segundos explodiu ali mesmo, no meio das suas mãos. A sua mão direita desapareceu em bocados naquele fatídico dia de Entrudo, já lá vão mais de vinte e cinco anos. O Carlos “Maças” ficou com problemas de otorrinolaringologia, afectando-lhe sobretudo o aparelho auditivo para toda a vida. Felizmente que ao João Morais nada aconteceu para além de um grandessíssimo susto.
O que era para ser uma celebração carnavalesca diferente, na aldeia, tornou-se um dia de dor e marcante para toda a vida do Jorge.
Era terça de Carnaval, naquele longínquo dia de 23 de Fevereiro de 1982. Normalmente, em Barrô, na minha aldeia, o dia era mais um igual, no calendário, que passava a correr. Há quem diga que no Entrudo os tristes, durante o ano, enfiam a máscara e, nos três dias de folia, tornam-se alegres e capazes das graças mais audazes. Porém, ou para desmentir o adágio ou não, a verdade é que os habitantes do meu lugar de eleição sendo tristes todo o ano, mesmo no carnaval continuavam a sê-lo. Raramente alguém se mascarava. De vez em quando havia excepções, é verdade, mas o habitual era esta quadra ser igual a uma outra qualquer.
Naquela terça, que o meu amigo Jorge, filho do “Zé” Maria Barbeiro, jamais esquecerá, o então rapaz, com 19 anos, cheio de força na guelra, iria concretizar uma ideia que, nos dias antecedentes, lhe andava a matutar na cabeça: iria fazer, no lugar, um dia diferente. Na sua casa, tinha um foguete que tinha crescido do dia de Páscoa do ano anterior e deixado pelo Manuel “Fanangueiro”. Quase sempre era este homem que mandava os petardos para o ar no dia das festas da aldeia. Numa militância continuada, tal como no Rio de Janeiro, em 20 de Janeiro, dia e mês da festa de São Sebastião, padroeiro do lugar, na festa de São José, padroeiro dos trabalhadores e da família, ou nas Alminhas, uma pequena capelinha onde, a caminho dos campos do Ribeiro ou da Lapa do sino, os assalariados deixavam uma pequena oração às almas dos que partiram. Nesse tempo, no início da década de 1980, esta pequena ermida estava isolada das restantes casas da população. Hoje, para o bem e para o mal –quanto a mim mal, deveria ter sido salvaguardado um pequeno terreiro em volta- esta pequena edificação está rodeada de casas, retirando-lhe a grandiosidade espiritual merecida. Um dia destes descreverei a importância que este pequeno templo teve na minha infância. Era nele que, enquanto criança, a caminho da escola primária da Lameira de S. Pedro, eu depositava as minhas esperanças, os meus medos e os pedidos de auxílio. Interessantíssimo, a meu ver, através da negociação e das promessas a cumprir: Alminhas, se me ajudares no ponto escrito, faço isto, se me ajudares a cumprir aquela tarefa farei aquilo.
Voltando ao Jorge, no dia de Carnaval de 1982, como tinha lá em casa um foguete de rebentamento foi convidar o Carlos “Maçãs” e o João Morais para, juntos, lançarem o foguete –para quem não souber, é um petardo pirotécnico ou de artifício composto por uma pequena quantidade de explosivo e de um pavio, que enrolado a uma cana, e depois de se incendiar a mexa, iniciando a combustão, eleva-se no ar e provoca um ou vários rebentamentos em forma de tiro. Estes artefactos ruidosos desde sempre foram muito usados nas aldeias de todo o Portugal para publicitar as festas populares, romarias ou celebrações eucarísticas. Era do conhecimento popular que onde estoirasse um foguete –e ouvia-se a dezenas de quilómetros- havia festa com certeza, numa aldeia portuguesa.
Mas o Jorge, fruto da sua pouca idade ou não, não tinha nem os cuidados nem a mestria do “fanangueiro”. E, para aumentar a negligência, retirou a bomba com explosivo da cana. Qualquer mestre em lançar foguetes sabe que um petardo sem cana é como uma arma carregada, pronta a disparar, nas mãos de uma criança. Assim que tocar no gatilho explode. E foi o que aconteceu, o Jorge incendeia o pavio, como não tinha cana direccional que o faz elevar no ar, em segundos explodiu ali mesmo, no meio das suas mãos. A sua mão direita desapareceu em bocados naquele fatídico dia de Entrudo, já lá vão mais de vinte e cinco anos. O Carlos “Maças” ficou com problemas de otorrinolaringologia, afectando-lhe sobretudo o aparelho auditivo para toda a vida. Felizmente que ao João Morais nada aconteceu para além de um grandessíssimo susto.
O que era para ser uma celebração carnavalesca diferente, na aldeia, tornou-se um dia de dor e marcante para toda a vida do Jorge.
quarta-feira, 13 de agosto de 2008
PENSAR A RIR DE COISAS SÉRIAS...
Há bocado estacionei o meu popó num parque gratuito, junto ao Estádio Universitário, em Coimbra . Há muitos anos que conheço o arrumador (residente) daquele parque. Foge um pouco ao estereótipo comum. É um homem de cerca de 40 anos, bem vestido, de tez rosada e de constituição física robusta. Hoje vestia uma t-shirt azul e uns calções tipo bermudas. Não fosse o boné na cabeça, com a chapa de arrumador, e dir-se-ia um qualquer turista em trânsito.
Quando procurava um lugar, logo ele, solícito, aproximou-se, em passo de corrida, levou-me até um lugar vago. Pelo gesto, senti-me na obrigação de o recompensar e dei-lhe uma moeda. Foi então, sem que inicialmente eu não percebesse porquê, que, em altos gritos, ele soltou um chorrilho de pragas: “vão trabalhar malandros! A culpa não é vossa, é do governo, que vos dá o Rendimento Social. Vão para as obras! Aqui não se vende droga!”. Depois, já mais assertivo, vira-se para mim e exclama: “Homessa!, há tantos anos aqui e agora vem para aqui estes mostrengos”.
Se inicialmente eu não percebia nada, e com os meus botões pensava: o homem passou-se dos carretos, deve ser do sol, se bem que, diga-se, o astro-rei, neste Agosto, até está demasiado complacente com os humanos. Foi então que, olhando para o lado, me apercebi da razão da ira do arrumador. Estava ali o busílis de se sentir ameaçado. O seu espaço territorial, o seu universo, tinha sido invadido por dois rapazes na casa dos vinte e poucos anos, presumivelmente toxicodependentes. Um, pelo aspecto, seria declaradamente. O outro deixava dúvidas.
À medida que eu contornava o meu carro, ao meu lado, o arrumador residente, não sei se talvez por se sentir mais forte, continuou a agredir verbalmente a concorrência. Agora já lhes oferecia pancada: “saiam daqui seus caramelos antes que eu perca a paciência e vos parta o focinho”, vociferava o homem. O invasor com melhor aspecto, na maior das calmas, respondia: “isso é o que tu querias, mas não és capaz! Mandas-me trabalhar? E tu, com esse arcaboiço todo, que é que fazes aqui?”
A verdade é que a calma do rapaz devia ter desconcertado o residente e reparei, que á medida que vociferava, ia, sorrateiramente, se deslocando, não fosse o diabo tecê-las.
Paulatinamente, fui-me afastando e fui a pensar neste incidente. Quantas vezes, acusando os outros de usar os mesmos métodos que empregamos, porque nos julgamos melhores, naturalmente, achamos que estamos certos. O mal e o erro é sempre dos outros.
Para uns, somos uma ideia, um projecto, daquilo que gostaríamos de ser. Por um lado, vivemos permanentemente no passado. O passado é assim uma espécie de espelho onde reflectimos toda a nossa existência. Quando temos consciência da nossa imperfeição, da nossa finitude, enquanto seres mimeticamente iguais a outros como nós, neste espelho, como folha de balanço dividida entre o “deve e o “haver”, analisamos todos os nossos actos, as nossas acções, boas ou más. Através dessa percepção intuitiva será possível tornarmo-nos melhores amanhã. Quem assim procede sabe, e sente, que o bem, para além da felicidade que proporciona a quem o recebe, dá um imenso bem-estar a quem o pratica. E, se na aparência, isto são lamentos de conversão religiosa, é puro engano. Antes das religiões havia o homem, e este sentimento é imanente à sua condição antropológica.
Para outros, que não perdem tempo a pensar nisso, acham que tudo o que fizeram foi sempre a consequência dos actos dos outros. Como autómatos, narcisistas individualistas, caminham na vida como se fossem os bons. Para estes a sua vida projecta-se no futuro. Para eles não existe arrependimento ou contrição. Não partem nem repartem. Vivem de si e para si e alimentam-se da vingança. Pagam sempre o mal em dobro. Projectam no seu semelhante a sua frustração e insatisfação. O próximo é o culpado de tudo. Do seu insucesso, na escola, nos negócios, nas relações. No limite podem acusar Deus. Barafustam com o Mestre. Afinal até vão à missa e, quase sempre, dão uma moedinha ao indigente à porta do santuário. Quando este, passando a bola, retribui “que Deus lhe pague senhor!”, imediatamente, para estas pessoas, o Criador fica em dívida. Por isso não entendem o incumprimento.
A vingança é, sem sombra de dúvidas, o acto mais rasteiro e mesquinho de qualquer ser humano. Quem não é capaz de perdoar, e, por outro lado é alguém que permanentemente se auto-desculpabiliza, é uma pessoa perigosa. Dessa pessoa, a qualquer momento, podemos esperar tudo.
E, afinal, conhecemos tantas pessoas assim, não é?
Entrevista a Pedro Machado, presidente da Entidade Regional de Turismo do Centro
"A visibilidade turística do Luso-Buçaco passará a ser muito maior"
In Jornal da Mealhada
Não é difícil!
Vale a pena ler a entrevista. Pelo menos eu concordo com as ideias...
terça-feira, 12 de agosto de 2008
As medalhas fogem...
segunda-feira, 11 de agosto de 2008
UMA DEOLINDA EM PROJECTO
Gostei de te ouvir Deolinda,
cantavas na Antena três,
és tão lareta, tão linda,
gosto do teu ar traquina,
és um presente que Deus fez;
Tens uma graça imanente,
que só quem gosta explica,
a racionalidade permanente,
por muito lúcida que o seja,
torna complexo e complica;
Esse teu ar bonacheirão,
obesa, e Maria-rapaz,
parecendo não valer um tostão,
acompanhada a contra-baixo,
poucos sabem do que és capaz;
Bamboleias-te, encantas e saracoteias,
como uma encantadora serpente,
parece que ninguém chateias,
que não incomodas uma mosca,
a cantar, encantas toda a gente.
Ah “ganda” Deolinda!
UNS NECESSÁRIOS ÓCULOS
Estou farto de sugerir uns óculos ao meu amigo Armindo Gaspar, presidente da APBC, Agência de Promoção da Baixa de Coimbra. Sempre que nos encontramos, lembro-lhe que a idade não perdoa, e, então no que toca à visão, o tempo é implacável. Palavra que já lhe disse que, se é por questões estéticas e de beleza, com os adornos bifocais, só poderá ficar melhor, vai ficar lindo. Se é por questões financeiras, e na impossibilidade de melhor preço num oculista tradicional na Baixa, recomendo-lhe a Multiópticas, que, segundo a publicidade, se o desconto é igual à idade, logo o meu amigo, que está próximo dos 60 anos de idade, vai pagar uma ninharia. Mas ele é teimoso e insiste em não ir. Depois faz as figuras que vos vou mostrar.
Hoje o DIÁRIO AS BEIRAS, em primeira página, em título de “caixa-alta”, anuncia em parangonas: “COIMBRA -Crise “mata” comércio na Baixa”. Em subtítulo, “Vivem-se tempos de aperto. O excesso de oferta aliado à queda do poder de compra leva à falência de alguns estabelecimentos comerciais. Em tempo de férias, a situação piora.”. No interior, em desenvolvimento, e a determinado passo, questiona o jornalista António Alves: “Motivo para alarme? O presidente da APBC, Agência de Promoção da Baixa de Coimbra, assegura que não. Armindo Gaspar mantêm-se optimista. “Em 50 lojas, estar meia dúzia fechadas, e tendo em conta o contexto económico, não é nada mau”, sublinha. E há mais. Armindo Gaspar garante que muitos dos estabelecimentos fechados vão reabrir, e com “nova cara”.
Continuando a citar o jornal, “O Dolce Vita, o Fórum e o Coimbra shopping não têm problemas. Porém, há quem diga que o cenário não é como parece. Armindo Gaspar afirma que muitas das lojas das grandes superfícies comerciais só não fecham porque os contratos de seis anos não o permitem. Todo o dinheiro investido seria perdido”.
Vamos então por partes. Primeiro, o universo de lojas comerciais na Baixa é de cerca de quinhentas e não cinquenta como refere o meu amigo. Segundo, o número de lojas encerradas nesta parte histórica da cidade são mais de cinquenta. Terceiro, o meu colega comerciante, em vez de se preocupar com os estabelecimentos da Baixa –para isso foi eleito- parece estar receoso com as lojas dos grandes centros de consumo.
Então, digam-me lá, o Armindo precisa de óculos ou não? Está bem, eu sei, podem argumentar que estes lapsos de visão e memória podem não se dever só aos olhos, pode ser Alzheimer. É verdade! Pode ser. Mas, cá para mim, também pode ser da gravata oferecida por Carlos Encarnação, presidente da autarquia conimbricense. É que este laço comprido em forma de cânhamo, adorno social que a todos fica bem, e que qualquer um gosta de receber como presente, para além das cores da coligação, tem um intenso odor a perfume “politicamente correcto”.
UM (INTER)PASS DUVIDOSO
EXº SENHOR
PRESIDENTE DA DIRECÇÃO GERAL DO CONSUMIDOR
ASSUNTO: PARTICIPAÇÃO
Luís Fernandes, comerciante, com estabelecimento, em (…) Coimbra, vem, por este meio, participar a V.Exª a seguinte ocorrência:
1-Por volta do dia 03 de Junho de 2008, a minha esposa, (…), quando se encontrava no interior do Coimbra shopping, nesta cidade, foi abordada por um homem para participar num concurso do CLUBE INTERPASS, cujos prémios seriam um cruzeiro familiar e vários prémios, entre eles várias estadas no Algarve, de 3 dias/2 noites;
2-porque se mostrou renitente em participar, logo o vendedor, acompanhado de outros, a convenceu a preencher o cupão e a inseri-lo numa tômbola, ao mesmo tempo que referia que o concurso era “coisa séria”, e autorizado pelo Governo Civil de Coimbra, que se tratava de uma acção promocional do “CLUBE INTERPASS, a fim de levar ao público em geral o conhecimento desta empresa;
3-No dia 09 de Agosto de 2008, a minha esposa foi contactada telefonicamente por uma funcionária desta empresa que, alegando que tinha sido bafejada pela sorte, ou seja, tinha sido sorteada com uma estada familiar, num dos empreendimentos da “INTERPASS”.
Perante a indecisão da minha esposa, a dita funcionária logo rematou: "ó minha senhora o “CLUBE INTERPASS” é uma empresa séria. O que pretendo é apenas entregar-lhe o “voucher” e mais nada!”.
Perante a refutação da minha mulher, em jeito de dúvida, se não quereriam antes vender-nos viagens, a colaboradora, sublinhando várias vezes o seu título de licenciada (doutora), amainava as dúvida com frases convincentes: “a senhora não esteja tão recalcitrante, apenas quero entregar-lhe o título de viagem e mais nada. Venha hoje ao Hotel Dom Luís, em Coimbra, perdendo apenas o tempo de tomar um café, entrego-lhe o “voucher”, e verá que não lhe queremos vender nada. Como este concurso é autorizado pelo Governo Civil de Coimbra, e se a senhora não aceitar, teremos de o comunicar àquele departamento Civil, e sortearmos outra pessoa;
4-Ficou combinado que, no mesmo dia, sábado, 09 de Agosto, pelas 21 horas, os cônjuges –era obrigatório a deslocação dos dois- iriam receber o prémio ao Hotel Dom Luís. À hora combinada deslocámo-nos à empresa hoteleira;
5-Depois de nos apresentarmos na portaria do hotel, fomos encaminhados para um andar inferior. Aí, numa sala, em género de triagem, deparámo-nos com uma grande azáfama de, presumivelmente, vários colaboradores que, ao avistar-nos, se dirigiram a nós. Fomos encaminhados para um dos cantos da sala.
Neste canto do compartimento, uma secretária com uma funcionária (a tal que nos contactou pelo telefone) que atendia um casal de cinquenta e poucos anos.
Enquanto esperávamos reparámos nas frases utilizadas pela colaboradora da empresa –do género “os senhores não tenham medo, entrem, entrem, é apenas para conhecerem a nossa empresa”. O homem, com indisfarçável incómodo, lá passou para uma grande sala contígua, onde se encontravam vários casais e muitos mais presumíveis colaboradores do “CLUBE INTERPASS”.
Chegou então a nossa vez;
6-A dita funcionária, utilizando o mesmo vocabulário, como se fosse uma gravação, tentou que passássemos para a outra sala.
Quando argumentámos que estávamos ali apenas e só para levantar um “voucher” a colaboradora foi peremptória: “ah, isso não! Se os senhores não forem lá para dentro não podemos dar-lhe o título!”.
Argumentámos que, ao telefone, nos tinham dito que a nossa deslocação ali seria apenas e só para levantar o “voucher”, mais nada. Portanto, em conformidade, a senhora teria de nos entregar o título. Caso não o fizesse imediatamente, que nos trouxesse o Livro de Reclamações. A este pedido reiterou que não tinham, nem eram obrigados a possuí-lo.
Certo da minha razão, puxei do telemóvel e adverti que caso não fizesse imediatamente chamaria a PSP. Perante a minha irrevogável vontade de participar, a funcionária, chamou outra pessoa. Esta, num tom paternalista, tentou amenizar as coisas, explicando que a empresa tinha vários empreendimentos espalhados pelo país e que a ida “lá dentro” era apenas para que nós, calmamente, pudéssemos tomar conhecimento e, com mais calma, podermos escolher o nosso destino.
Argumentei que se, de facto, fôramos sorteados o que tinha a fazer era entregar-nos o “voucher” com a viagem especificada. Perante a nossa irredutibilidade, e perante a ameaça de chamar a polícia, um pouco a contragosto, entregou-nos então um pseudo voucher sem que o nosso nome constasse no documento, e que abaixo reproduzirei:
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CLUBE CIF-CLUBE INTERNACIONAL DE FÉRIAS, S.A. Nº571810
INTERPASS Av. Elias Garcia, 45C. 1049-078 LISBOA
Tel.:210 340 000 – Fax: 210 340 500
Email: clubenterpass.pt. www.interpass.pt
OFERTA NO ALGARVE PR_____________
3 dias/2 noites DATA__/___/____
Nome_____________________________________________________________
Morada____________________________________Profissão_______________
Cód.Postal:___-___________Tel.:______________Tlm.:___________________
ALOJAMENTO: Apartamento T1 para 4 pessoas em regime só de alojamento
RESERVA: Enviar voucher para o endereço do Interpass
PERÍODO DE UTILIZAÇÃO: 45 dias a partir de ____/____/ 15 SET.2008
PRETENDO USUFRUIR DESTA OFERTA NUMA DAS SEGUINTES DATAS (Sujeito a disponibilidade):
1_____//____//____OU 2 ____/_____/ OU 3 _____/_____/_____
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7-Por pensar que estamos em presença de “venda agressiva”, proibida por lei e, além de mais, pensar que não existirá nenhum concurso autorizado pelo Governador Civil de Coimbra, e que este procedimento é um engodo para vendas de viagens em sistema de “pressing”, venho solicitar a V.Exª se digne mandar investigar.
Com os melhores cumprimentos:
Coimbra, 11 de Agosto de 2008
(Luís Fernandes)
sábado, 9 de agosto de 2008
HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (30): TODOS TEMOS UMA HISTÓRIA
(A CAPELA DE VÁRZEAS)
Quando comecei a escrever estas pequenas narrações não fazia a mínima intenção de passar além da primeira. Porém, como qualquer caminhada começa no primeiro passo, tantas vezes sem termos planos para irmos além, como forças ocultas do destino, somos empurrados a continuar. Umas vezes, sem o querermos porque é impossível recuar numa “decalage” contínua, outras vezes, como no meu caso, acabamos por, quase obsessivamente, entrarmos dentro da “estória” e, como mensageiros de pessoas que em vida nos marcaram, ou porque numa pesquisa que tomou conta de nós, falamos com alguém que nos fala de outro alguém, que por sua vez o marcou imenso.
É assim que, numa conversa informal, em Várzeas, se falou do “ti” Manel sapateiro. Em anterior apontamento já falei dele e da esposa, a “ti” Maria do Céu. Eram pessoas muito boas, quer um quer outro. Mas, como eu saí daquela aldeia com mais ou menos três anos, deixando a convivência diária dos autóctones, quando lá regressava era muito acarinhado. Por isso mesmo apenas via um lado, digamos formal, das pessoas. Praticamente não as conheci no dia-a-dia.
Então, como dizia em cima, em conversa, vim a saber que o “ti” Manel sapateiro era uma pessoa extremamente divertida. Com a sua voz palheta, de cana rachada, sempre de resposta pronta na ponta da língua, este homem simples, com a sua mercearia e taberna ao cabo da mesma artéria, junto ao largo da capela, onde normalmente estava a esposa, e a sua oficina de artífice de solas e cabedais a meio da rua principal do lugar, onde residia. Como toda a gente sabia da sua simpatia e facilidade de comunicação, era normal, junto à janela do seu “metier”, juntar várias pessoas para conversar. Ele, já habituado a trabalhar com as mãos a coser e a colar alpercatas, não se deixando distrair, acompanhava qualquer conversa por entre um esticar de linha e o passar da agulha.
De vez em quando lá vinha uma patifaria, como não podia deixar de ser. A “ti” Rosa “Rata”, que morava num casebre hoje desaparecido a dois passos da capela, era muito chata e, para além disso, tinha uma aversão à água que parecia coisa má. O cheiro do estrume de qualquer curral ao pé do fedor da “ti” Rosa era um perfume de rosas, de tal maneira que quando chegava ao redor da oficina fugia tudo espavorido com a conspurcação ambiental forçada. Então um dia o sapateiro, depois de pensar no melhor meio de a afastar dali, junto à sua janela colocou uma cadeira de palha com uma sovela –pequena lança pontiaguda que servia para abrir buracos nas solas e por onde passaria a linha- disfarçada no meio do assento e virada para cima. Quando a “ti” Rosa se sentou com satisfação na cadeira e foi picada, deu um grito que abanou toda a estrutura da ponte de caminho de ferro.
Outro costume deste simpático sapateiro, que dava um fartote de rir a quem sabia, era o olhar fixamente, olhos-nos-olhos, as pessoas, sobretudo as moças casadoiras, e, num diagnóstico implacável, atirava: “menina, tu estás cheia de gaifanas!”. As miúdas, aterradas de medo pelo ar cáustico do sapateiro, interrogavam: “gaifanas? O que é isso? É grave?”. Então o “ti” Manel, com ar matreiro, puxava de um alicate e nas sobrancelhas arrancava um ou outro pelo, fazendo com que as moças gemessem de dor. Outras vezes mandava-as apanhar gambozinos. Um dia mandou a Cidália do Salgueiral, com um poceiro de vime (unidade de medida usada nos campos correspondente a cinco almudes), para a saída de água do moinho, para que ela apanhasse gambozinos. Como a água saía em folículos, a rapariga, depois de uma tarde à espera sem sucesso, saiu de lá toda encharcada. Nesse dia foi o gozo de toda a aldeia.
Para além destas pitorescas partidas, fruto da ignorância própria daquela época de 1960, havia muita dureza com as crianças mais carenciadas. Contou-me o João, o “Tripeiro”, como era conhecido na zona, que naquele tempo, em Várzeas, os lavradores mais abastados abriam grandes poços para concentrarem a água para as regas dos campos e colocavam lá peixes. Então o meu amigo “Tripeiro”, vindo da aldeia dos Moinhos, descia e juntava-se ao “Xico da Avó” e ao José “Maloio”. Como em casa rareava o necessário para satisfazer o estômago, trazia broa e sal e, juntos, nos campos, onde calhava, apanhavam umas cebolas para comerem. Tinham por costume, sempre que podiam, apanharem peixes nos poços de água. Um dia, conta o João, tinha então 10 anos, a GNR foi resgatá-lo, a sua casa, sobre prisão, aos Moinhos. A sua mãe, que mesmo pouco sabendo de leis, percebeu imediatamente que se estava a cometer uma atrocidade, não foi de meios: toca de se virar aos guardas à paulada.
Foram todos para o posto e, se quanto ao comportamento da mulher-mãe houve alguma contemplação, o mesmo não aconteceu em relação ao filho João, nem pensar. Foi apresentado ao Juiz, julgado e condenado a multa. A mãe teve de desembolsar cerca de setenta escudos. “Tempos miseráveis aqueles”, exclama o João, engelhando a cara e abanando a cabeça. Hoje, a trabalhar na Suíça e muito bem colocado, lembra estes pequenos pedaços de vida, “afinal todos temos uma história, não achas?”, interroga-me.
Quando comecei a escrever estas pequenas narrações não fazia a mínima intenção de passar além da primeira. Porém, como qualquer caminhada começa no primeiro passo, tantas vezes sem termos planos para irmos além, como forças ocultas do destino, somos empurrados a continuar. Umas vezes, sem o querermos porque é impossível recuar numa “decalage” contínua, outras vezes, como no meu caso, acabamos por, quase obsessivamente, entrarmos dentro da “estória” e, como mensageiros de pessoas que em vida nos marcaram, ou porque numa pesquisa que tomou conta de nós, falamos com alguém que nos fala de outro alguém, que por sua vez o marcou imenso.
É assim que, numa conversa informal, em Várzeas, se falou do “ti” Manel sapateiro. Em anterior apontamento já falei dele e da esposa, a “ti” Maria do Céu. Eram pessoas muito boas, quer um quer outro. Mas, como eu saí daquela aldeia com mais ou menos três anos, deixando a convivência diária dos autóctones, quando lá regressava era muito acarinhado. Por isso mesmo apenas via um lado, digamos formal, das pessoas. Praticamente não as conheci no dia-a-dia.
Então, como dizia em cima, em conversa, vim a saber que o “ti” Manel sapateiro era uma pessoa extremamente divertida. Com a sua voz palheta, de cana rachada, sempre de resposta pronta na ponta da língua, este homem simples, com a sua mercearia e taberna ao cabo da mesma artéria, junto ao largo da capela, onde normalmente estava a esposa, e a sua oficina de artífice de solas e cabedais a meio da rua principal do lugar, onde residia. Como toda a gente sabia da sua simpatia e facilidade de comunicação, era normal, junto à janela do seu “metier”, juntar várias pessoas para conversar. Ele, já habituado a trabalhar com as mãos a coser e a colar alpercatas, não se deixando distrair, acompanhava qualquer conversa por entre um esticar de linha e o passar da agulha.
De vez em quando lá vinha uma patifaria, como não podia deixar de ser. A “ti” Rosa “Rata”, que morava num casebre hoje desaparecido a dois passos da capela, era muito chata e, para além disso, tinha uma aversão à água que parecia coisa má. O cheiro do estrume de qualquer curral ao pé do fedor da “ti” Rosa era um perfume de rosas, de tal maneira que quando chegava ao redor da oficina fugia tudo espavorido com a conspurcação ambiental forçada. Então um dia o sapateiro, depois de pensar no melhor meio de a afastar dali, junto à sua janela colocou uma cadeira de palha com uma sovela –pequena lança pontiaguda que servia para abrir buracos nas solas e por onde passaria a linha- disfarçada no meio do assento e virada para cima. Quando a “ti” Rosa se sentou com satisfação na cadeira e foi picada, deu um grito que abanou toda a estrutura da ponte de caminho de ferro.
Outro costume deste simpático sapateiro, que dava um fartote de rir a quem sabia, era o olhar fixamente, olhos-nos-olhos, as pessoas, sobretudo as moças casadoiras, e, num diagnóstico implacável, atirava: “menina, tu estás cheia de gaifanas!”. As miúdas, aterradas de medo pelo ar cáustico do sapateiro, interrogavam: “gaifanas? O que é isso? É grave?”. Então o “ti” Manel, com ar matreiro, puxava de um alicate e nas sobrancelhas arrancava um ou outro pelo, fazendo com que as moças gemessem de dor. Outras vezes mandava-as apanhar gambozinos. Um dia mandou a Cidália do Salgueiral, com um poceiro de vime (unidade de medida usada nos campos correspondente a cinco almudes), para a saída de água do moinho, para que ela apanhasse gambozinos. Como a água saía em folículos, a rapariga, depois de uma tarde à espera sem sucesso, saiu de lá toda encharcada. Nesse dia foi o gozo de toda a aldeia.
Para além destas pitorescas partidas, fruto da ignorância própria daquela época de 1960, havia muita dureza com as crianças mais carenciadas. Contou-me o João, o “Tripeiro”, como era conhecido na zona, que naquele tempo, em Várzeas, os lavradores mais abastados abriam grandes poços para concentrarem a água para as regas dos campos e colocavam lá peixes. Então o meu amigo “Tripeiro”, vindo da aldeia dos Moinhos, descia e juntava-se ao “Xico da Avó” e ao José “Maloio”. Como em casa rareava o necessário para satisfazer o estômago, trazia broa e sal e, juntos, nos campos, onde calhava, apanhavam umas cebolas para comerem. Tinham por costume, sempre que podiam, apanharem peixes nos poços de água. Um dia, conta o João, tinha então 10 anos, a GNR foi resgatá-lo, a sua casa, sobre prisão, aos Moinhos. A sua mãe, que mesmo pouco sabendo de leis, percebeu imediatamente que se estava a cometer uma atrocidade, não foi de meios: toca de se virar aos guardas à paulada.
Foram todos para o posto e, se quanto ao comportamento da mulher-mãe houve alguma contemplação, o mesmo não aconteceu em relação ao filho João, nem pensar. Foi apresentado ao Juiz, julgado e condenado a multa. A mãe teve de desembolsar cerca de setenta escudos. “Tempos miseráveis aqueles”, exclama o João, engelhando a cara e abanando a cabeça. Hoje, a trabalhar na Suíça e muito bem colocado, lembra estes pequenos pedaços de vida, “afinal todos temos uma história, não achas?”, interroga-me.
REFLEXÃO
Eu gostava de escrever
uma história de encantar,
um enredo para sorrir,
uma narração para ler,
um estudo sem pensar,
nas coisas que hão-de vir,
o que interessa o não ter,
é preciso é saber estar,
andar nesta sempre a rir,
trabalhar para viver,
não viver para acabar,
predestinado a ferir,
como guerreiro sem o ser,
sem glória a lamentar,
tanto trabalho e sentir,
que aquilo que soube fazer,
foi andar sempre a lavrar,
de cara dura sem rir,
a Semear e a colher,
numa cadência sem parar,
como máquina a tinir,
vamos mas é entender,
que a vida está a encurtar,
vamo-nos mas é divertir,
enquanto dura é estender,
borda fora e navegar,
no oceano a bulir,
só à felicidade se render,
partir p’ra longe e não voltar.
quarta-feira, 6 de agosto de 2008
COMO RESISTIR NESTE EGOCENTRISMO NACIONAL?
(ESTAS QUATRO CASAS COMERCIAIS ENCERRARAM PORTAS, NOS ÚLTIMOS MESES, NA PRAÇA DO COMÉRCIO, EM COIMBRA)
Há dias, na Praça Velha, encerrou a CHUTEIRA. Esta casa, dedicada ao desporto e uma das primeiras que abriu em Coimbra, em finais da década de 1970, com uma longa tradição de apoio à Académica e ao União de Coimbra, sem direito a oração de encomenda ou epitáfio, fechou portas, ou melhor, para maior infelicidade, foram fechadas por dívidas a credores, incluindo o Estado.
Mais uma que se vai sem honra e sem glória. Este estabelecimento foi um bom “soldado” enquanto teve forças, nesta guerra fratricida, em forma de purga existencial, com queda anunciada dos mais débeis. Caiu por força dos modernos obuses do grande comércio centralizado, dos novos hábitos e costumes dos consumidores, e, sobretudo, pela insensibilidade com que este e os anteriores governos tratam a pequena empresa familiar. Com as finanças depauperadas, sem dinheiro, como é que se pode adquirir novo armamento (stoks)? Para além disso, constantemente, com o movimento de pessoas a minguar nos centros históricos, de que valerá apostar em grandes inovações?
Se alguém fizesse um estudo de opinião aos lojistas implantados na Baixa de Coimbra iria ficar surpreendido com o resultado. Dois terços, se pudessem abandonavam este centro histórico. Não digo isto de ânimo leve, sei do que falo. O desânimo é atroz. Para além de ser contagioso, perpassando aos restantes, incomoda e faz pensar. O que vai ser de tanta gente?
Admito, tenho escrito isso várias vezes, que, nesta apatia de modorra, é preciso fazer alguma coisa. É preciso fechar os estabelecimentos mais tarde, durante a semana, e abrir, pelo menos, aos sábados durante todo o dia. Porque, não tenhamos ilusões, o futuro vai obrigar o comércio a estar aberto também aos domingos. Por enquanto, como estamos em ambiente pré-eleitoral, as grandes superfícies não vão ser licenciadas para trabalharem aos domingos todo o dia, mas deixem passar o pleito eleitoral de 2009 e verão o que acontece: vão ser liberalizados os horários a funcionarem 24 sobre 24 horas.
Já o escrevi aqui, mais de uma vez, lutar contra o desejo dos consumidores –mesmo que esta cegueira consumista leve ao estertor de múltiplas lojas tradicionais- é o mesmo que querer lutar contra a corrente de um caudaloso rio. É esforço de vã glória. E sinceramente também o digo: será lícito, por um lado, defender um Estado liberal, assente num livre comércio, numa concorrência sã, em que todos tenham lugar, em que a liberdade individual conte e leve ao desenvolvimento, e, por outro lado, porque essa liberalização nos afecta, nesse caso, voltando ao proteccionismo, reivindicarmos um Estado intervencionista que condicione a entrada de novos comerciantes e que imponha barreiras ao desenvolvimento. Estará certa esta posição?
Evidentemente que caberá ao Estado, como árbitro magister, fiscalizar as regras e ter em conta as diferenças individuais, de cada um, ou de cada grupo, evitando que os mais fortes aniquilem os mais fracos e, como um bom chefe de família, em relação à sua prole, gerir esta situação. Ou seja, nem caindo no livre-cambismo exacerbado e selvagem, nem pender para um proteccionismo aberrante, cujas consequências são sempre o manter o status quo e que no limite, para além de adiar o desenvolvimento, prejudica os consumidores.
Porque, atente-se, quer queira quer não, o governo vai ter de se debruçar sobre o constante genocídio das pequenas e médias empresas, com medidas desoneradoras da elevada carga fiscal e incentivadoras do auto emprego. E quando falo em pequenas e médias empresas, obviamente, que me refiro a toda uma plêiade de profissões, na indústria, no comércio, nos serviços e até, inclusivamente, na agricultura.
O futuro reside na liberalização e no livre acesso a uma qualquer profissão e não na criação de barreiras através de indecorosos números clausus, um ensino universitário desfasado da realidade, que leva à desistência de milhares de alunos, de legislações discutíveis, do ponto de vista Constitucional, de Ordens Profissionais, que impondo novos exames de aptidão, tendo o único propósito de extorquir os recém licenciados e adiar a sua entrada na profissão, como se passassem um atestado de incapacidade às Universidades do país, parecem reinar estapafurdiamente como se estivéssemos numa monarquia constitucional.
As consequências estão a bater-nos à porta nos médicos; se se levar em conta as pretensões do Bastonário dos Advogados, daqui a alguns anos nos causídicos; a seguir serão os Arquitectos, os Engenheiros, os Notários e por aí fora.
Haja bom senso. O sol quando nasce é para todos. É preciso é evitar que os mais altos captem toda a luz e, com a sua presença, imponham uma sombra demoníaca aos mais baixos e provoquem o seu raquitismo.
terça-feira, 5 de agosto de 2008
Tour de France
Para quem gosta de ciclismo, mas não só... imagens lindíssimas!!! Para ver mais imagens do Tour de France
Artigo de Carlos Fiolhais bate recorde de citações
"O cientista português com o artigo mais citado em todo o mundo é o físico Carlos Fiolhais, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), que acaba de ultrapassar as 5600 citações, considerado um «número completamente fora do comum para trabalhos científicos», divulga a FCTUC. "
In Diário de Coimbra
Pois é! A velha Academia ainda dá cartas nas Ciências!
Ainda por cima parece que é um "gajo porreiro"!
In Diário de Coimbra
Pois é! A velha Academia ainda dá cartas nas Ciências!
Ainda por cima parece que é um "gajo porreiro"!
Pequim...
Continua tudo na mesma pela China... as promessas de retirar restrições na internet... espantem-se ou não... elas continuam!!!
O Governo Chinês vem dizer que é para protecção do povo chinês!
Claro que sites como os da Amnistia Internacional, BBC, Free Tibete entre outros podem fazer muito mal aos chineses, principalmente no campo em que poderão ficar a descobrir no país que vivem em comparação com os outros!!!
O que nos espera durante os Jogos Olímpicos?! Talvez se vá descobrir ainda mais "carecas" ao Governo Chinês!
segunda-feira, 4 de agosto de 2008
OS RECEIOS DE CAVACO E A MINHA FUNDAMENTAÇÃO
Porque escrevi um pequeno post, acerca da recente comunicação do Presidente da República, Cavaco Silva, ao país, recebi um honroso comentário anónimo. O facto de não ser identificado, neste caso, pela postura, pouco importa. O que conta é a lisura e a educação como esta pessoa o fez. Em face desse comentário, e já depois de lhe ter respondido, entendi que devia consubstanciar a razão da minha apreensão e falta de oportunidade do Chefe de Estado, que, lembro, interrompeu as férias para, num ambiente de grande gravidade, pondo o país ansioso, pelas 20 horas, de quinta feira, 1 de Agosto, para saber o que de tão anómalo estava a acontecer.
Tomo então a liberdade de fundamentar a minha opinião, transcrevendo o texto que apresentei em resposta:
Meu caro anónimo, em primeiro lugar os meus sinceros agradecimentos por ter comentado. Quanto ao facto de discordar da sua opinião, que fundamentarei já em seguida, isso aqui é irrelevante, o que importa é a saudável troca de opiniões. Como sabe não há verdades absolutas, há sim verdades relativas, e, nessa relatividade, quer dizer que, provavelmente, ambos teremos razão.
Vou então defender a minha dama. Logicamente que não conheço a proposta de alteração do Estatuto dos Açores. Porém, uma coisa lhe digo, tal como a competência do Presidente da República poder dissolver a Assembleia da República ( alínea e, do art.º 133º da CRP),mesmo de depois de ouvidos os partidos e o Conselho de Estado, quanto a mim, é demasiado poder centralizado numa pessoa só, ainda que seja a mais alta instância da República. Imagine que um dia destes Cavaco Silva, porque dormiu mal, ou quer fazer um jeito a Manuela Ferreira Leite, decide dissolver a Assembleia da República, ou qualquer das Assembleias Regionais, alguém lho pode impedir? Nem o facto de ouvir os partidos ou o Conselho de Estado, que não são vinculativos, podem obstaculizar o que quer que seja.
Além de mais, e mostrando um recente episódio a fundamentar o que digo, refiro-lhe a dissolução de Jorge Sampaio, ao governo de Santana Lopes, que veio a dar a maioria ao PS. Pessoalmente não formo juízos de valor, no entanto, posso garantir-lhe que meio país teve muitas dúvidas e ficou a pensar que esta dissolução foi um "frete" do anterior Presidente da República ao seu partido.
Em conclusão, fosse ou não fosse, só o facto de existir suspeita é mau, muito mau. E para que tal não aconteça nada melhor que retirar os plenos poderes a um homem só.
É o que penso, e defendo esta minha teoria com unhas e dentes.
Volto a reiterar que respeito a sua.
Programa de animação termal
Se calhar ando mesmo distraído e devia estar mais atento ao que se passa no Casino!
De vez em quando há uns espectáculos engraçados e passam-me ao lado...
Deixo-vos com os Toada Coimbrã no Casino do Luso (espectáculo no âmbito do programa de animação termal da Sociedade das Águas do Luso. )!
PS: Um abraço para estes meus companheiros Estudantinos e Seccionistas!
Agora é que foi
sábado, 2 de agosto de 2008
E DEPOIS DAS PRATAS O QUE RESTA?
Há um velho aforismo, no país, de que, em caso de necessidade urgente de realizar dinheiro, dentro de uma casa solarenga, vende-se primeiro as faianças antigas, a seguir as mobílias consideradas excedentárias e só em último lugar, e na total impossibilidade de as salvar, as pratas. Curiosamente, creio, que embora de menor valor este metal, seguindo os usos e os costumes mantêm-se na casa, e o ouro segue o caminho do penhor.
Lembrei-me deste rifão como introdução para mostrar, num misto de curiosidade, de indignação e de impotência, como os sucessivos governos de Portugal, em relação às pequenas empresas tradicionais, nada fazem para as manter. Estas pequeníssimas explorações industriais ou comerciais, com 3, 4 ou 8 funcionários, sob o ponto de vista económico e social têm uma importância vital. Para além de, através da actividade privada, dar trabalho a estas pessoas, evitando que seja o Estado a assistenciá-las, desenvolvem pequenas actividades, quase sempre em vias de extinção, que, no dia-a-dia, constatamos a sua total imprescindibilidade, e mais, tomamos consciência dessa necessidade, sobretudo quando batemos os olhos no placard da porta de entrada: ENCERRADO.
E foi o caso comigo esta semana. Em Coimbra, à entrada do Monte Formoso, existe (existia) uma carpintaria e serração, há cerca de setenta anos, a Batista e Pratas, Lª –daí fazer o preâmbulo, em analogia, com as pratas. De tempos a tempos, quando tinha necessidade, ia lá encomendar umas madeiras. Podia ser uma Janela, uma tábua de meio-solho, ou até um perfil de desenho esquisito para substituição. Como esta casa tornava realidade qualquer ideia pré-concebida por muito diferente que fosse, através dos imensos ferros polidos pelo manuseamento de décadas da tupia, qualquer residente na cidade, ou outro, estava sempre desenrascado.
Através do gerente, o senhor Óscar (de cinquenta e poucos anos de idade), com quatro décadas de casa e muito saber acumulado, com as suas ajudas interventivas, tudo era possível de pôr em prática. Sem o dizer –não precisava- parecia transmitir-nos de que se havia boa-vontade –e havia mesmo- naquela casa tudo era possível. Não precisava de explicar muito acerca do que pretendia. Aquele homem, certamente fruto de muitos anos de experiência, numa intuição rápida, rematava: “deixe ficar!”. Por entre um sorriso, como a querer dizer, eu sei o que você quer, não perca tempo a explicar, concluía: “venha buscar tal dia!”. E no dia combinado lá ia ao Batista Pratas, ao meu amigo Óscar, e o meu pedido estava realizado.
Naquela velha serração trabalhavam com ele mais quatro pessoas. No escritório, a Dona Isabel (cerca de 40 anos de idade). O João (cerca de quarenta e poucos anos de idade), com 36 anos de casa, o António (com cerca de 60 anos de idade) e o Paulo (com trinta e poucos anos de idade) na carpintaria. Esta semana encerraram para férias…sem prazo. Não voltarão abrir portas. Segundo uma destas pessoas aqui citadas, quando o interroguei, porque fechou de vez esta firma, respondeu-me, com os olhos humedecidos e a voz entrecortada pela emoção: “sabe?, havia pouco trabalho, é certo, mas ia andando, o problema são os impostos, não dava lucro para tudo. Então, a solução foi esta! Encerraram!”.
Ao que podemos constatar, num autismo atroz, ninguém se importa que estas casas, companheiras da nossa vivência urbana, museus interactivos das nossas memórias, pedaços da história industrial do país. Se falarmos nisto a um político, regional ou nacional, tenho a certeza, num disco riscado, por tanta vez ser usado, vai dizer: “que quer que se faça? É o mercado a funcionar, as empresas são como as pessoas, nascem e morrem!”. Pois! Mas, se são como as pessoas, e estas têm um Serviço Nacional de Saúde, seria normal fazer-se tudo para as salvar. Nesse caso, ilusoriamente, deveria ser criado um serviço nacional de solvência da pequeníssima empresa familiar. E se pensa que estou a descobrir a pólvora, desengane-se, é apenas uma questão de bom senso. E na vizinha Espanha tomaram medidas drásticas que evitassem o total desaparecimento destas pequenas unidades. E como, perguntará? Muito fácil. Isentaram estas pequenas firmas de impostos até ao limite de 150.000 Euros de receita bruta.
Se o governo português o fizesse, todos ganharíamos, não só no aspecto social, como sobretudo no aspecto económico. Pensemos um pouco: o que vai acontecer, como vão viver, as cinco pessoas que nomeei em cima? Evidentemente que vão receber o subsídio de desemprego! E quem o paga? Os poucos activos que ainda vão trabalhando, descontando e pagando impostos.
Acontece que esta “grande vaca”, que é o Estado Social, tem as tetas a secar, porque, por um lado, há demasiados “marmanjos" a mamar à custa do sistema, por outro, este mesmo sistema, num ensimesmamento patológico, alheado do real, em vez de apoiar, salvando o que resta com políticas proactivas, empurra toda a gente para viver à sua custa, como se as suas costas fossem até ao infinito. E o mais grave: é que, ao dar de mão-beijada sem contrapartidas, sobretudo a algumas minorias, está a concorrer directamente para a sua extinção e, sem critério social, desenvolve a desmotivação dos poucos que trabalham.
Como diria o meu pai, Estamos bem f*****s!
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