terça-feira, 18 de novembro de 2008

O EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA NO INTERIOR




“PSD/MEALHADA RETIRA CONFIANÇA POLÍTICA A DOIS VEREADORES”
“Alegando quebra de “solidariedade e lealdade políticas” o PSD/Mealhada anunciou a retirada de confiança política aos vereadores Carlos Marques e Gonçalo Breda” –Título e subtítulo do Diário de Coimbra (DC), de hoje, 18 de Novembro.

“Uma semana depois de já ter dado a entender que isso ia acontecer, a comissão política do PSD/Mealhada confirmou ontem a retirada de confiança política aos vereadores Carlos Marques e Gonçalo Breda Marques. Tudo por causa do caso “relatório José Calhoa”.
“Não existiu respeito, lealdade e solidariedade destes dois vereadores do PSD neste caso concreto”, referiu António Miguel, dirigente do PSD, ontem em conferência de imprensa. Explicando a situação, César Carvalheira, presidente do partido, deu conta que a Concelhia elaborou um relatório, que os vereadores apresentaram em reunião de câmara, onde o partido mostrava dúvidas nos negócios entre a autarquia e uma empresa propriedade do sogro do vereador socialista José Calhoa, e anunciando que iriam participar a situação à IGAL. “Não se revelaram solidários com o referido relatório, como tal não podemos manter a confiança política nestes vereadores, sublinhou” (César Carvalheira, aos jornalistas do DC).
Continuando a citar o jornal, Gonçalo Breda afirmou desconhecer o relatório em questão. Quanto ao vereador Carlos Marques diz o seguinte: “Respeito a decisão mas não a entendo (…) não encontro qualquer fundamento nessa decisão, porque sempre disse qual a minha posição no caso Calhoa ao presidente do partido, ao dizer-lhe que não partilho muito desta forma de fazer política, baseada na suspeição”.
Vamos por partes, começando por analisar o “Dossier Calhoa”. Recorrendo à leitura da acta nº 19, de 23 de Outubro, da reunião ordinária da Câmara Municipal da Mealhada, ficamos a saber que nesta sessão, dos três vereadores do PSD, estavam apenas dois, curiosamente, os suspensos da confiança política do partido, Gonçalo Breda e Carlos Marques. O terceiro vereador eleito, João Fernando Pires, nesta reunião do executivo, já não compareceu por ter apresentado um requerimento a solicitar a suspensão de mandato por 75 dias.
O vereador Carlos Marques apresentou um “relatório elaborado em conjunto com o partido que representa (PSD) sobre a existência de um eventual conflito de interesses entre as funções públicas desempenhadas pelo vereador Calhoa Morais e as que exerce na empresa fornecedora da Câmara, Fausto das Neves Carrilho”. Antes de passar à sua leitura “frisou não se rever no conteúdo do referido documento”.
O relatório apresentado pelo PSD, apelidado de “Dossier Calhoa”, no executivo camarário, e enviado à IGAL, Inspecção da Administração Local, é um extenso documento de várias páginas onde o partido Social-democrata expõe as suas razões, por si, consideradas conflituais entre interesses, privado e público, do vereador Calhoa.
Continuando a citar o relatório, o vereador Calhoa, eleito pelo Partido Socialista em 2005, exerce o seu mandato na Câmara da Mealhada a meio-tempo. A outra metade da sua ocupação é desempenhada profissionalmente na firma do sogro, que -e aqui reside o busílis da questão- é fornecedor da autarquia. Salienta-se que já o era no anterior triénio de 2003 a 2005. Acresce, segundo a óptica do PSD, e com provas apresentadas, solicitadas ao executivo de Carlos Cabral, presidente da Câmara Municipal, que neste período o montante dos fornecimentos foi de 8.159.08 euros. De 2006 até 26-08-2008 a conta-corrente da entidade fornecedora Fausto das Neves Carrilho Unipessoal, Lª era agora de 39.335.62 euros. Ou seja, segundo o documento apresentado pelo PSD, neste período, depois de ter sido eleito, em que o vereador a tempo parcial, e também assalariado pela firma citada, desempenhou as duas funções, houve um aumento de 482.10%. “Será fruto duma mera coincidência ou dum grande incremento das obras no município. Qual a resposta?” –interrogava o partido Social Democrata, pela boca de Carlos Marques, vereador daquele partido, na reunião do executivo.
Depois desta explanação vamos às interrogações. Pode o PSD, enquanto oposição na autarquia, pôr em dúvida esta distorção de valores? Pode e deve. Se tem razão ou não, isso é outro assunto. Apreciar o documento, julgar e sentenciar, dentro do procedimento administrativo, já é da competência de instâncias superiores criadas para o efeito dentro da Administração Pública. E, quanto a mim, não me parece que o facto de um partido da oposição pedir uma sindicância aos actos de um vereador em exercício, mesmo em “part-time”, signifique que o partido da governação considere indigno este procedimento e “ser uma maneira baixa de fazer política”. Qualquer membro do executivo deve saber que a qualquer momento, pode ser questionado, e escrutinado nos seus actos, enquanto administrador da res publica, pela oposição.
Passando ao facto do vereador Carlos Marques, antes de ler o documento, quase em nota de rodapé, sublinhar que não se revia no documento, quanto a mim, se, atempadamente, o manifestou ao presidente do partido, é legítimo lavrar em acta aquele desabafo.
Quanto ao vereador Breda Marques não se entende muito bem como é que afirma “desconhecer o documento”. Se desconhecia um relatório vindo do seu partido, significa que não está a desempenhar as suas funções públicas com a dedicação e entrega que se comprometeu a quem depositou nele a sua confiança, neste caso os eleitores que lhe deram o voto.
No tocante aos dirigentes do PSD, só posso lamentar a sua actuação. Quando é que os órgãos dirigentes partidários reconhecem os seus membros eleitos como pessoas pensantes, que podem e devem discordar das ordens recebidas, sobretudo, quando vão contra os seus imperativos de consciência? Porque é que, no caso da Mealhada, no lugar dos seus vereadores, estes dirigentes do PSD, não colocam computadores a quem, duma forma irracional, amestrada e fria, dão ordens para cumprir sem que estes as tenham de questionar?
Para mim, no meio desta inépcia e desvario total, tanto da oposição como do executivo de Carlos Cabral, apesar de meio perdido na confusão, o único que merece relevo, pelo seu sentido de missão, será Carlos Marques que, mesmo contra o seu conteúdo, assinou o documento. Caso contrário não seria possível apresentá-lo na sessão.
Quanto ao executivo de Carlos Cabral, enquanto gestor local eleito, parece esquecer que a qualquer momento pode ser examinado, tal como a mulher de César, mesmo parecendo, é preciso provar que é séria.
Termino parafraseando uma frase curiosa do documento emanado do Partido Social-Democrata mealhadense: “Obviamente não cabe ao PSD julgar as pessoas e os actos, cabendo-lhe somente alertar publicamente para as dúvidas que determinados actos provocam”.
Bem prega frei Tomás! Como explica a retirada de confiança política aos dois vereadores? Como “expilica”?!

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