(INTERIOR DE UMA CELA MODERNA)
Ontem, devido a um assalto de que fui vítima, fui ouvido na PSP, em fase de inquérito que será remetido ao Ministério Público. Como há um suspeito -captado numa foto da central de alarme, ainda que difusa- que, para além de ser o presumível autor material do meu caso, segundo uma informação que consegui, foi-me garantido ser o principal responsável pelos assaltos a estabelecimentos, durante a noite, na Baixa, nos últimos meses. Por coincidência ou não, a verdade é que este suspeito “está dentro” e, se atentarmos, nas últimas semanas, embora havendo assaltos na zona histórica, estes são, felizmente, muito mais esparsos.
A verdade, é que tive alguma dificuldade em convencer o agente de que existe nexo de causalidade entre o último assalto de que fui vítima –já sofri três assaltos nos últimos 18 meses- e outros perpetrados aqui na Baixa a outros estabelecimentos. Ali, frente a frente ao agente, pude constatar a dificuldade em fazer passar-lhe o meu ponto de vista. E porquê? Porque, quanto a mim, e em juízo de valor, os agentes de investigação sofrem de uma espécie de síndrome destrutiva da sua auto-estima. Vou exemplificar melhor, quando tentei mostrar a relação causal entre o meu caso e um outro, idêntico no “modus operandi”, a uma tabacaria, em que o mesmo suspeito aparece de cara destapada e completamente visível, recebi como resposta: “olhe se atentarmos nesse facto, ainda vamos ser gozados pelo juiz. Qualquer advogado médio, desmonta essa tese”. Ou seja, em síntese, a meu ver, os investigadores, a priori, estão imbuídos de um pré-conceito de que o seu trabalho não será levado em conta. É como se sentissem que, apesar do seu esforço, tal “demarche” é em vão. Ora, no meu entender, isto é terrível para quem se esforça e sente estar a trabalhar para o boneco. Pode alguém ser um bom profissional se não acreditar naquilo que faz? É o mesmo que um vendedor de um qualquer produto, em que não acredita nas suas potencialidades, tentar convencer alguém a adquiri-lo.
É simplesmente aterrador constatar o estado anímico destes brilhantes profissionais. Estão completamente desmotivados. Continuo a afirmar que tal diagnóstico é feito em juízo de valor.
E escrevo isto porquê? Porque ontem li no Jornal Público que o ministro da Administração Interna, Rui Pereira, anunciou a intenção de incorporar, no decurso deste ano, mais mil efectivos na PSP.
Se por um lado, a nós, cidadãos comuns, nos deve dar alguma tranquilidade, por outro lado, tendo em conta o que escrevi em cima, de que vale mais um milhar de efectivos se, antes disso, não for restaurada a autoridade perdida nas últimas décadas naquela polícia e a confiança nas entidades hierárquicas que superintendem as forças policiais, nomeadamente o Ministério Público, que procede (acusa) e os juízes que julgam?
Já muito se tem falado de que as alterações aos Códigos de Processo e Penal –sobretudo na alteração da moldura penal preventiva de três para cinco anos- teve apenas como objecto um descarado economicismo do Estado, por que ao manter em liberdade o pequeno criminoso, pelo menos não tem que o sustentar. O problema é que a emenda foi pior que o soneto e a onda de violência a que assistimos está aí e a ser sentida por todos. Além de mais, pegando na filosofia do direito, sabendo que toda a grande criminalidade tem génese na pequena, o que espera a médio prazo o governo desta dislexia?
Porque, quanto a mim, é altura de se repensar todo o sistema penal vigente. Ainda que seja questionável o que vou dizer, considero que, como medida maior, é preciso restaurar o medo. Hoje, ao que tudo indica, ninguém que prevarica tem medo de nada. Começa logo na censura social que, sendo um instrumento precioso numa comunidade desapareceu nas últimas décadas. Logo a seguir, começa nos direitos do arguido –nove, segundo o agente que me convocou para prestar declarações-, que para além de extrapolarem a razoabilidade e questionarem a equidade deste Estado de Direito, põe a nu as fragilidades das vítimas, nos seus direitos –que são apenas quatro, segundo o mesmo agente. Parece, nesta leitura, que existe uma deliberada intenção de proteger o agressor e desproteger a vítima. Fará sentido esta assimetria? Se é para Portugal não aparecer nas estatísticas da Amnistia Internacional, pois que apareça à vontade, desde que os cidadãos portugueses se sintam seguros no seu próprio país.
Depois ainda, questionando o próprio sistema penal, é preciso repensar a reclusão. Nos últimos anos, tem havido um obsessivo cuidado em criar melhores condições aos detidos. Tendo em conta os direitos humanos, e filosoficamente, até estará certo, o problema é quando tais melhorias atingem o incompreensível e conduzem a efeitos contrários ao pretendido. Ou seja, em vez de se pretender um castigo para o prevaricador se obtêm um prémio de bem-estar pelo mau comportamento antecedente.
Hoje, um preso, para além da comodidade da sua cela, come bem, pratica desporto se o desejar, tem direito a visitas íntimas do seu cônjuge/companheiro e só trabalha se o desejar. Ora, é no conjunto de todas estas benesses que urge questionar se esta privação temporária de liberdade tem algum efeito dissuasor no pagador da pena a cumprir.
Por que raio não há-de um preso trabalhar? Por que em vez de constituir um peso financeiro suportado pela sociedade, através dos impostos, não poderá ele criar riqueza que o torne auto-sustentável?
Uma coisa estou certo, este sistema, aparentemente inquestionável pelas suas virtudes humanísticas, tem de ser posto em causa. Caso contrário, a meu ver, teremos, dentro de muito pouco tempo, uma implosão social que conduzirá ao caos, para além de poder desenvolver o chamado crime subterrâneo, as máfias, que proliferam a dois passos do nosso jardim atlântico. Aguardemos.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
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