Ontem conheci uma pessoa. A meu ver, na sua forma de estar, bem poderia ser um pouco de todos nós. Uma projecção, um heterónimo, estão a ver não estão? Não fiquem ansiosos! Calma! Não tem nada de especial. Aliás, é exactamente por ser tão insignificante, tão “lingrinhas”, não ter nada que o saliente que falo dele. Então pergunta você, se não tem nada para contar porque me incomoda com este texto se tenho tanta leitura boa para ler? Então e eu sei lá? Eu tenho de escrever qualquer coisa –é o meu vício a comandar-, se eu o conhecesse a si, pessoalmente, estou certo de que contava o seu dia-a-dia, os seus amores, os seus pensamentos mais recônditos. Acontece que não conheço. Então, comecei a cogitar comigo, acerca de quem vou eu escrever? Pensei, pensei, balancei entre as pessoas das minhas relações, e bolas! Só me vinham à ideia construtores de sonhos, estereótipos de bom português. E, porra!, mas eu queria um vulgaríssimo portuga, cheio de medos, do passado, do presente e do futuro, um puro hipocondríaco. Um “Chunga”. Um obsessivo, um enfezado cheio de fobias, um “rotinas” militante, sem auto-estima.
Então, nem de propósito, ontem, Domingo, dia do Senhor, como quem diz, desculpa para não mexer uma palha, estava eu sentado numa das esplanadas do Parque verde, ali coladinho ao Mondego, (vocês conhecem!). Embora seja um pelintra, nestas alturas, a gente sente-se gente, estão a ver a coisa? De óculos escuros, de roupa informal, a ler o Público e a apreciar a paisagem, com aquele longo lençol de água, como é que acham que eu me sentia? Além de mais, porque nestas coisas é sempre bom termos alguém escravo por perto, olhando aqueles desgraçados empregados dos bares a trabalhar que nem camelos, e eu resfolegado como um político a gozar a reforma, pensava, com os meus botões, que era pobrete mas alegrete. Eu quero lá saber das minhas dívidas! Que me interessa a mim que o Scolari fugisse aos impostos. Essa é boa! Que mania, esta de nos estarem a envolverem, como voyeurs, na vida dos outros, se nem da nossa damos conta. Fosca-se! Desculpem lá, que até me passo dos carretos!
Estava eu então lá na esplanada a gozar umas merecidas curtas férias de um dia, indo para fora (da minha casa) cá dentro (da cidade), quando na mesa ao lado se sentou um escanzelado magricelas, assim um tipo de curtir laricas, mas bem vestido, embora de cores escuras, de olhos encovados e amedrontados. Devia ter à volta de quarenta e poucos anos. O homem sentou-se. Começou por, com um olhar de agente especial, varrer tudo em redor, como se fosse o farol da Barra em Aveiro. Nem a boazona, mesmo em frente a nós, de sainha curta –seria uma saia ou uma tanga, nem sei!-, com um pernão de fazer ressuscitar um morto –e que eu, em luta interior permanente, entre o jornal e aquele metafísico prato delicioso, disfarçadamente ia pondo os olhos-, o fez estancar o olhar. Quando os raios x dos dois faróis chegaram a mim, pararam. Eu, que estava todinho concentrado na boneca de cuecas amarelas, comecei a estranhar, o raio do “pelingrinhas”, enquanto bebia o café, não tirava os olhos de mim. Mau, mau! Só me faltava este! Ele bebia uma golada, olhava para mim, levantava a chávena, parava a meio, entre a mesa e os lábios, e olhava para mim. Bolas! Que é isto?! Primeiro, fiz de conta que não me tinha apercebido, mas depois, começou a incomodar-me. Foi então, como um clarão de um relâmpago, que no meu cérebro se fez luz: o homem tinha medo de mim. Certamente estaria a confundir-me com alguém. Só podia ser isso. De certa maneira, até fiquei aliviado, palavra, antes isso que outra coisa. Vade Rectro, Satanás!. Longe, longe! Estão a ver a coisa não estão? Já conseguem ver o meu alívio.
Mas, se no princípio eu estranhava, com a continuação, o estranho entranhou-se, passando a redundância, e comecei a ficar curioso com a criatura. Vai daí, meti-me com ele: o senhor desculpe, mas pela sua forma de olhar, parece conhecer-me. Engraçado, é que eu também pareço conhecê-lo. Lá eu sabia quem era o raio do homem, nunca o tinha visto mais gordo –o que também era natural, se aquilo era uma procissão de ossos ambulantes.
“Eu conheço bem o senhor”, respondeu o enfezado, dividido entre a irritação e o alívio por eu lhe dar a possibilidade de falar comigo. “O senhor é do SIS, não é? Anda a perseguir-me, a perscrutar as minhas actividades. Eu vi logo! A mim ninguém me engana!, disse, enchendo o peito cheio de ar. Parecia o “Manel” Alegre.
O senhor está enganado, retruquei-lhe, abanando a cabeça, só estou mesmo a gozar o meu primeiro dia de férias. “Ai não, ai não?! E porque está sempre a olhar para mim?”
Bom, se calhar, por puro acaso, talvez porque o senhor também olhava para mim. Respondi ao cabeça de alfinete. A verdade é que ele pareceu ficar descansado. Até vi os seus ombros descerem de descontracção, a fazerem lembrar os “bocas de sapo” antigos, da Citroen, lembram-se? Pois é, não sei que mágica empreguei mas fiz ali um amigo, conheci o Anastácio. Profissionalmente, era funcionário público, disse-me ele, em forma de confissão, encostando a sua boca ao meu ouvido.
Começámos a conversar de coisas sem jeito, de repente, sem nada que o fizesse prever, atirava-me de rompante: “tem mesmo a certeza de que não trabalha para o SIS?”
Como vou encontrar mais vezes o Anastácio –Anastácio Beijaflor, apresentou-se-me com grande solenidade, estendendo-me uma mão que parecia uma pala de cartão-, sem ele saber vou contar-vos as nossas conversas. Mas, não diga nada a ninguém, fica entre nós, está bem? Posso confiar em si?
segunda-feira, 30 de junho de 2008
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