segunda-feira, 30 de junho de 2008
LUSO: POR QUEM OS SINOS DOBRAM?
(Foto, retirada, com a devida vénia, do blogue "Thoughts on Mealhada")
Na edição de 13 de Fevereiro último, o Jornal da Mealhada expressava em duas páginas as preocupações fundadas e legítimas de um grupo de comerciantes do Luso, acerca da degradação contínua e desleixada das “suas” Termas do (seu) Luso.
Antes de continuar, convém mostrar um pouco de história desta famosa água de mesa e termal, utilizada no tratamento de problemas renais e males da pele.
Consultando várias informações dispersas e o site da Sociedade de água de Luso (SAL), nos seus 150 anos de história, ficamos a saber que a descoberta das curas no restabelecimento da saúde, desta água, foi em 1726, no 1º inventário das águas minerais portuguesas, da autoria de Francisco da Fonseca Henriques, em que é mencionada e a sua localização em Luso. Constata-se também que só meio século depois se verifica o aproveitamento terapêutico desta água.
Passando um pouco à frente, em 22 de Dezembro de 1916 é constituída a Sociedade Água de Luso, SARL. Em 1970, a então nascida em 1934, Sociedade Central de Cervejas (SCC) e em 1977 rebaptizada de Centralcer, Central de Cervejas, EP –depois de ter sido nacionalizada no 25 de Abril- entra no capital da SAL, tornando-se accionista. Em 2003, a Central de Cervejas, agora SA, Sociedade Anónima e a SAL foram adquiridas pela Scottish and Newcastle (S&N), com sede na Escócia, que passou a deter o controlo, em acções, a 100% daquelas duas empresas nas Águas de Luso.
Ao que parece, recentemente, estas acções foram adquiridas pela Heineken-Carlsberg.
Fazendo uma pequena retorna ao passado, imaginemos que estamos no fim da década de 60, do século último, em Setembro, quase a finalizar a época balnear. Eu e você leitor, viajando pela linha da Beira Alta, de comboio, vamos desembarcar na Estação ferroviária de Luso. Apercebemo-nos do grande movimento desta estação de Caminho de Ferro. Muita gente sai do comboio e outros tantos iniciam viagem. No banco de madeira da segunda carruagem você dorme profundamente. De repente dá um salto. Foi acordada pelo grito estridente de uma mulher, de meia idade, baixa, de avental, de cabelo apanhado num toutiço, que percorrendo, em passo rápido, aquela paragem de dez minutos, disponibiliza, a troco de vinte e cinco tostões, uma bilha de barro, prometendo matar a sede aos viajantes daquele trem. A forma sonora de apregoar o seu produto, ainda que sibilante, era encantadora: “águaaa de Lusooooo”.
Quem não quisesse, se tivesse tempo, podia ir ao bar da estação beber uma gasosa em forma de pirolito, uma laranjada, uma Guaraná, ou um Licor de Ginjas, tudo da fábrica Buçaco, que laborava ali mesmo ao lado e que era identificada pelo enorme depósito de água, que do outro lado da linha desafiava as leis da gravidade.
Depois de descer do transporte por ferrovia, pegamos nas nossas malas e vamos a pé –porque não podemos gastar muito- em direcção à vila, que dista dali cerca de um quilómetro, onde contamos passar 15 dias nas famosas Termas de Luso. Ambos temos insuficiência renal e aqueles insistentes pruridos na pele, e, por isso o dermatologista enviou-nos para aquelas Termas. Chegamos então ao “Alto da Venda Nova”. Aí começamos a aperceber-nos do movimento de adultos e crianças a entrar e a comprar nas lojas do Adelino Carvalho. Reparamos no ar feliz dos petizes, entretidos a desfolhar os novos livros escolares para o ano que se avizinha. Quase em frente, na loja comercial do senhor Carlos a mesma coisa: muita gente das redondezas a comprar e a pedir para apontar no livro.
Continuando, passamos na padaria do Vale e compramos uns pães e uma roscas doces. Começamos a ouvir o sino da igreja. Vamos passar mesmo em frente dela. Reparamos que muita gente se encaminha para o templo sagrado. Na porta lateral está o senhor vigário, o padre António Simões da Costa, todo vestido de preto, de sotaina até aos pés, e com o tradicional chapéu de três bicos na cabeça, a receber os convidados do Senhor.
Continuamos a andar e, por momentos, paramos a admirar o Grande Hotel do Luso, projecto de 1937, do grande arquitecto modernista Cassiano Branco –a propósito, hoje, no seu site, na Internet, porque não tem o Grande Hotel do Luso um link com a sua história? Nem sequer é feita referência ao grande projectista. Evidentemente que apenas contentamos o olhar, a nossa bolsa não chega para tanto. Continuamos no meio do fervilhar de gente, utentes das termas, sobretudo casais, de meia-idade, de mão dada, que no seu andar dolente, certamente, desligaram os relógios. Reparamos no ruído que provém do pequeno mercado a abarrotar de gente. Assim como o Casino, pleno de efervescência. Lá dentro está uma exposição de pintura de Carlos Ramos, pintor Coimbrão, que começava a alcançar um merecido reconhecimento.
No terreiro da Fonte das onze bicas não se rompia com gente, uns a encher uns garrafões de água, outros a comprar cavacas doces nas barracas ali ao lado. Lá ao cimo da avenida, o Cine Teatro do Luso parecia um baluarte estático também a defender a cultura da vila.
Continuamos o nosso caminho e subimos em direcção ao Hotel Serra. Era um bom hotel mas com preços mais modestos para a nossa bolsa. Era ali que tencionávamos ficar. Era, disse bem. Estava completo. Bom, nesse caso, vamos para uma pensão famosa que toda a gente que frequenta as termas conhece: a Pensão Lusa. E ali ficámos muito bem hospedados durante a quinzena de Setembro de 1969.
Hoje, se, hipoteticamente, fizéssemos o mesmo trajecto iríamos ficar profundamente decepcionados. Da movimentada estação ferroviária de outrora, hoje pouco mais resta do que um decrépito apeadeiro que a REFER, num economicismo atroz condenou ao abandono e à invisibilidade. Da identitária fábrica de refrigerantes Buçaco apenas resta o depósito de água –que, quanto a mim deveria ser classificado de interesse público. Nos mil metros que distam do agora apeadeiro até ao Luso, os castanheiros, alquebrados pelo tempo, parecem chorar de abandono. As Lojas do Adelino Carvalho e do Carlos da Venda Nova, uma sombra de outros tempos, tentam, por todos os meios resistir às grandes superfícies, à lei da selva, e à cegueira deste Estado ultraliberal.
A padaria do Vale encerrou há muitos anos. O hotel Serra jaz em ruína, ainda salvo erro, e a Pensão Lusa, com a placa de “vende”, encerrada há muitos anos, procura novo dono que, em estoicismo, continue a sua história. A Igreja, embora com menos fiéis, continua a receber em preces a esperança de um amanhã melhor dos habitantes da freguesia de Luso. Os sinos, num trinado dobrado, parecem mostrar que os seus comerciantes tem razão em estar preocupados com as suas Termas e no abandono a que foram votadas.
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