quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
O ERRO DE COUBERT
Gustave Courbet (1819-1877) foi um pintor anarquista. Seguidor da escola realista, onde a verdade transparece numa observação impressa em pinceladas precisas de um impressionismo invulgar.
A “Origem do Mundo”, pintada em 1866, é talvez a sua maior obra identificativa com o movimento realista. Esta obra provocadora, segundo reza a história, já nessa altura foi perseguida e ostracizada por uma burguesia hipócrita e defensora de uma moral inexistente.
Como se sabe, a PSP de Braga, no domingo, apreendeu numa feira de saldos de livros vários exemplares de “Pornocracia”, de Catherine Breillat, editado em Portugal pela Teorema. Apesar de entretanto devolvidos, o acto discricionário desta polícia está a indignar juristas e intelectuais do rectângulo. Consideram, para além da profunda ignorância deste corpo de polícia, nomeadamente entre outros, “um atentado à liberdade de expressão”.
Se juntarmos o auto de apreensão da juíza de Torres Vedras, em que também o que esteve na sua origem foi, depois de uma participação de um cidadão, uns nus femininos, começamos a entender a procissão que ainda agora vai no adro. Como se sabe, também aqui a meritíssima voltou atrás.
Voltando à indignação de juristas e intelectuais, consideram estes que o que está na origem de tais actos apreensivos é a “ignorância e uma falha monumental no campo da cultura”.
Para mim o que me surpreende não é tanto esta ignorância das polícias e do poder judicial –todos somos ignorantes- mas sim uma nova classe de zelotas que, num excesso de zelo, devagar, devagarinho, vão impondo, tal como em meados do século XIX, uma nova moral, fundada na hipocrisia, na mentira da falsa virtude pública.
E, quando chamo zelotas –poderiam chamar-lhes jacobinos- refiro-me a certos cidadãos comuns. Estas pessoas, cuja vida sexual deve ser um tremendo aborrecimento, mandam a sua frustração para cima de quem pensa de modo diferente. Coubert, com o seu feitio satírico, na tumba, deve estar a rir-se a “bandeiras despregadas”.
É uma tristeza, para a sociedade contemporânea, que se diz moderna, continuar a agir da mesma forma igual a um século atrás.
É um anacronismo continuarmos (alguns) a fugir das questões sexuais –imagens, ou mesmo a própria discussão do tema- como o diabo da cruz. O sexo, para além das questões filosóficas, é o acto mais encantador que pode ligar dois entes –homo ou hetero. Se assim é porque este esconder a questão, embrulhando-a em papel de veludo com cheirinho a moral podre?
Passados mais de três décadas da queda do “Ancien regime”, tudo indica que falar de sexo será cada vez mais tabu.
Volte a olhar esta preciosíssima obra que retrato em cima. Diga lá: como é que podem haver pessoas que não gostem duma imagem destas? Não apetece beijá-la?
Quem se queixa e considera ser atentado ao pudor é ignorante? Não. É simplesmente estúpido.
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3 comentários:
Beija-a tu! Safa!!! Longe vá o agoiro!!
"embrulhando-a em papel de veludo com cheirinho a moral podre?"
A avaliar pelos costumes da época não devia cheirar muito bem, não! Já não me recordo muito bem de quando estudei história mas nalgumas sociedades não existia o bidé. Por exemplo na Inglaterra, se não estou em erro! Em demografia estudei que os franceses era uma cambada que odiava água, eram o povo europeu com menos gastos em produtos de higiene, que incluía produtos tão triviais como sabonete shampoo,etc! Portanto, que rico beijo! Ora faça vossemecê a sua vontade...
Obrigada por ter comentado. Como deve ter calculado, quando refiro "apetece beijá-la", é uma provocação. É uma metáfora para mostrar o realismo puro e duro da obra de arte.
Passando, esta explicação metafórica, qualquer homem entende o que quero dizer. Ou seja, visto pelo lado erótico, este quadro "puxa-nos", arrebáta-nos compulsivamente.
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