sexta-feira, 3 de abril de 2009

O ÚLTIMO "BAZAR DE PORTUGAL"...EM COIMBRA






A Rua da Gala, em Coimbra, para além da sua antiguidade, é uma daquelas ruelas estreitas onde o tempo, na sua lenta modorra, parece ter parado, a fazer lembrar o século XIX. Ladeada de prédios altos, que impedem o sol de se espreguiçar e estender a sua luz resplandecente, esta artéria poderia perfeitamente ser o modelo que visionamos das cidades antigas, com varandas de pedra, resguardo de ferro forjado, assente sobre cachorros com florões, e janelas de avental e guilhotina. Como curiosidade histórica, a Rua da Gala manteve sempre o mesmo nome desde 1678, data em que aparece documentada e relativamente a casas pertença da Universidade e da Câmara.
Como postal ilustrado de um comércio tradicional em vias de extinção, na sua diversidade, não falta a taberna, a “tasca”, a casa de frutas, o pequeno restaurante, a loja de discos, cd’s e vinis, uma pequena padaria, com café, uma loja de artigos chineses, uma loja de pássaros, e uma de brinquedos, que vou falar particularmente: o “Bazar de Portugal”.
Há uma vintena de anos a cidade tinha uma rua inteira de bazares. Na Rua Adelino Veiga, nos seus “néons”, podia ler-se, entre outros nomes, “Bazar de Lisboa”, “Bazar do Porto”, “Bazar de Coimbra”. Pois, ao longo deste tempo, como nevoeiro fustigado pelo sol, todos desapareceram. O último resistente em Coimbra, com o nome baptismal, é o “Bazar de Portugal”.
Fundado por Fernando Dourado, há cerca de 50 anos, este bazar, actualmente a navegar com dificuldade em águas revoltas, tumultuosas, e com ventos ciclónicos tocados pela força do capitalismo proletário do outro lado do mundo, a China, vai-se aguentando à borrasca pelo gosto e amor do antigo empregado e agora proprietário Mário Nicolau. “Vamos resistindo a muito custo. Antigamente tínhamos a revenda. Aos poucos foi acabando, tal como as barracas do “choupalinho”. Hoje subsistimos apenas da venda ao balcão. Tivemos de alargar o nosso leque de oferta para outras áreas. Praticamente todas as fábricas de brinquedos em Portugal encerraram. O “genocídio” do fabricante nacional e dos bazares começou com o aparecimento das lojas de 300. A seguir vieram as lojas de artigos chineses e as grandes superfícies. Como força virulenta, estas liquidaram aquelas e os poucos bazares que restavam. Só continuo aqui porque a renda não é elevada e adoro tudo isto. Os brinquedos são o meu mundo. Continuo a vender os carrinhos plásticos com o mesmo carinho de há 25 anos. Mas também com 66 anos vou fazer o quê?”- interroga-me Mário Nicolau.
Este antigo atleta do Sporting Nacional, situado no Largo da Freiria, recorda os tempos em que, enquanto futebolista, militava nos campeonatos distritais daquela colectividade –este clube, também em coma profundo, tal como o comércio de rua, não se sabe se ainda respira, apesar dos esforços de pessoas como o Mário para o trazer de novo à vida.
A atender os poucos clientes “lá vem um”, igual a qualquer outra loja do comércio tradicional, está a Mara Isabel, herdeira do Nicolau. Com 20 anos e a completar o 12º ano, pergunto-lhe se ela pretende ser a continuadora do negócio. "Gosto muito de atender as pessoas –embora algumas sejam difíceis-, o problema é o pouco movimento que assistimos diariamente no centro histórico. Não vejo futuro no comércio. Tenho pena, mas vou continuar a estudar e optar por outras saídas profissionais. Mas quem sabe?!”, conclui a Mara no meio de um sorriso alargado e cheio de alma.

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