quarta-feira, 16 de julho de 2008

HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (16): O MANDARIM

(A Praça da República, em Coimbra, por volta de 1960)


Embora tenha consciência que estou a fugir um pouco ao tema, que me motivou e dá ênfase a esta série de crónicas, falar da minha aldeia de Barrô, ali próximo de Luso, a verdade é que, ao entrar nesta senda das recordações, sinto como se entrasse num labirinto desconhecido, onde, sem que nada o faça prever, a qualquer momento, surgem novos dados, como, pequenos fantasmas, saltassem de repente e gritassem: “aqui estou”!
Então, seguindo essa apologia, vou contar, depois de ter concluído o exame da 4ª classe, em Julho de 1966, e ter escrito uma carta a um meu tio, que era cozinheiro num emblemático café-restaurante, em Coimbra, a pedir-lhe emprego, eis-me então chegado à cidade do Mondego.
Depois de ter sido surpreendido pelo bulício da Praça 8 de Maio, tomámos o eléctrico, pagámos cinco tostões pela viagem, e desembocámos na Praça da República. Ali estava, à nossa frente, imponente como Taja Mahal, o grande restaurante que para além de ter marcado uma época, marcou a fogo a memória de milhares de estudantes que, em trânsito, enquanto estudaram, passaram por Coimbra: O Café Mandarim.
Este café-restaurante, apesar de estar aberto ainda há poucos anos –creio que abriu portas em 1960-, depressa se transformou numa espécie de catedral da tolerância, imposta tacitamente, em que conviviam tanto o Trostskista-anarca-convicto, como o comunista que lia o Jornal República, do Raul Rego, como o fascista, orgulhoso defensor do regime vigente, como o estudante revolucionário, que “à surrelfa” espalhava comunicados anónimos a anunciar uma reunião política, como a vigiar todos estes, vários agentes da Pide, cuja sede se situava então, um pouco mais acima, na Rua Antero de Quental.
Não se sabia exactamente quem vigiava quem. O que se sabia, isso sim, é que todos conviviam serenamente, embora vigilantes, como se estivessem num bar, em Istambul, no tempo da Guerra Fria, em que, presumivelmente, estariam agentes da MOSSAD, do MI-5, do KGB e ainda agentes secretos da STASSI.
O ambiente deste café era indescritível. Era um borbulhar constante de efervescência de pessoas a entrarem e a saírem. Era famoso o seu bitoque e o bife à Mandarim. Por lá passaram muitos dos actuais políticos e talvez a fina-flor da sociedade portuguesa da época, que vinham estudar para a Universidade.
Curioso, também, o orgulho garboso assumido pelos empregados em trabalharem numa casa de tão alto gabarito e tão identitária da classe estudantil. Notava-se na sua forma de estar, na pose e no porte. Quem passou por lá lembra-se, certamente, no balcão de bar, o Hugo (já falecido), o Fernando, o Joaquim Pardal, com ar de “gentleman”, cabelo preto penteado para trás; dos empregados de mesa, o Abreu, o Manaia e o saudoso Talina (já falecido), que carinhosamente me tratava por batatinha; no balcão da pastelaria, mesmo à entrada, O Mendes, o Fernando, e o Tarrafa que eu fora substituir.
Depois de um ano a trabalhar na cozinha, fui então para o balcão da pastelaria, para andar aos recados e levar os lanches –o galão e a torrada- onde fosse solicitado, aos consultórios médicos, a casas particulares e até ao edifício da PIDE cheguei a ir várias vezes.
A mensalidade que fui auferir foram 250$00 de ordenado fixo, que ia inteirinho para o meu pai. Como estava em casa de uma tia não pagava alojamento. Lembro-me, nesta altura, de um acontecimento marcante. A primeira vez que fui a uma casa de banho, a minha tia, junto a mim, recomendou-me para eu fazer "xixi", como eu nunca tinha visto nem um bidé nem uma sanita, olhei para os dois e, mentalmente, comecei a balançar entre se seria num ou noutro, até que fiz no bidé. Para além disso tinha as gorjetas, auferidas no transporte dos lanches e nos trocos remanescentes do tabaco –um Português Suave sem filtro custava 4$20, normalmente o freguês dava 4$50- que iam direitinhos para a compra de roupa usada, que era lavada de noite para tornar a vestir no dia seguinte. Os sapatos, do mais barato que havia (custavam cerca de 80$00), do “Campeão Português”, em que aparecia o Óscar Acúrcio, na televisão, a dar dois saltinhos, andavam nos pés até ficarem completamente com as solas rotas.

2 comentários:

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

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