quinta-feira, 31 de julho de 2008

HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (29): A ÚLTIMA VIAGEM DE SALAZAR

(SERÁ ESTA PONTE, EM FUNDO,OBRA DO GENIAL EIFFEL?)



Em anterior apontamento, sobre Várzeas, a encantadora aldeia em que nasci, e lá permaneci até aos três anos, encostada como irmã siamesa ao Luso, falei do seu ex libris: a sua ponte em ferro, que se ergue das alturas, construída, segundo se diz, pelo genial Gustave Eiffel –engenheiro francês (1832-1923), responsável pela construção da Torre Eiffel, em Paris e várias pontes no nosso país.
Porém, ao falar com a minha tia Anunciação, que vive há cerca de seis décadas em Várzeas, uma dúvida se me levanta. Segundo a minha familiar, esta ponte em ferro começou a ser construída, para substituição de uma anterior também em ferro, por volta de 1955. Veio a ser colocada no lugar da anterior, já montada, em 1958. Ora, atentemos nas datas, Eiffel morreu em 1923. Sendo assim como será possível esta ponte ser da sua responsabilidade? Será que esta ponte seria da responsabilidade da empresa Eiffel, que o genial homem do ferro criou em França? Ou não seria?
Posteriormente, através do meu amigo Alcides Rego, do Buçaco, vim a saber que a renovação desta (nova) ponte e outras da linha da Beira-Alta foram adjudicadas à firma alemã Fried Krupp Stahlban Rheinhausen por 45 mil contos. Estes trabalhos foram concluídos em 27 de Maio de 1958.
Depois há outros “senões”. Segundo a minha tia, “durante mais de três anos, largas dezenas, ou centenas, de operários alemães assentaram arraiais em Várzeas, com as suas potentes máquinas de “bate estacas”. Viviam em barracas de madeira junto à ponte em construção. Como não havia água canalizada, foi construído um grande poço, junto ao moinho de água, para abastecer os operários do ferro.
No anterior texto que escrevi sobre esta aldeia, salientava o facto assaz curioso de o lugarejo com pouco mais de seis dezenas de pessoas possuir, em fins de 1950, duas mercearias com taberna. Uma a do senhor Vieira e outra a do “ti” “Manel” sapateiro. Sei agora, depois de falar com a minha tia, que esta expansão comercial, tudo indica, se deveu à construção da ponte sobre a aldeia e aos inúmeros trabalhadores que, durante anos, ali se mantiveram, constituindo, por isso, uma mais-valia importantíssima na economia do lugar.
Continuando a citar a minha familiar, conta-me ela que, em finais de Julho de 1970, aquando da transladação do corpo de Lisboa para Santa Comba Dão, feita por caminho-de-ferro, Salazar, já defunto, passou por cima de Várzeas, na ponte de ferro. Se este facto pode não constituir surpresa, já o que vou contar a seguir pode ser entendido como um facto curioso. Aquando da sua passagem, em direcção à sua terá natal, Vimieiro, nesse dia, Várzeas encheu-se de milhares de forasteiros para ver passar o féretro. Por outro lado, e também curioso, foram as dezenas de agentes da Guarda Nacional Republicana (GNR), destacados para a aldeia para fazer guarda aos “mirones”. Provavelmente, também, misturados na imensa prole de civis, dezenas de agentes da PIDE, à civil, a controlar e a prever alguma manifestação mais ousada e de índole comunista. “Se calhar estavam com medo que o atacassem e matassem outra vez”, remata a minha familiar num largo sorriso.
A verdade é que o comboio da morte anunciada de um sistema político já apopléctico, com uma carruagem inteira cheia de flores, sem paragem, passou “que nem um foguete” por cima da ponte e, para além de imensos lenços no ar a acenar ao ditador, com prantos e desmaios à mistura, não houve problema nenhum, e Várzeas, na sua pacatez, esteve à altura de tamanha solenidade.

6 comentários:

Afroluso disse...

Pois é Luís...
A Ponte de Várzeas, que eu saiba, nunca foi obra directa do Sr Eifel!
Quando muito, o desenho (planta ou projecto) poderá ter origem nos Estabelecimentos Eifel. Mas só no caso da 1ª ponte, construída no século IXX (feita aí por volta de 1870 / 1880, durou até aos anos 50 do século XX, quando foi substituída pela que lá está agora.
Quando foi inaugurada, tu eras muito pequeno e devias estar para Barrô, mas eu (que tinha 5 ou 6 anos) assisti à inauguração desta ponte. Vi chegar o primeiro comboio que a atravessou, vindo do lado de Mortágua, com a sua locomotiva negra toda enfeitada de flores amarelas de acácia.
Enquanto a primeira ponte foi feita por empreiteiros franceses, os que fizeram toda a linha da Beira Alta (linha, pontes e túneis) foram Chamavam-se eles Edmond Bartissol e seu sócio Jean-Alexis Duparchy. No caso da 2ª ponte, a que lá está agora, foi construída por empresa ou firmas da Alemanha. Creio que se falava em Várzeas que eram empresas ligadas à KRUP...

Alcides Rego disse...

Se me é permitido, eu acrescento:
Apesar de haver vários projectos, o escolhido para a Linha da Beira Alta (entre Figueira e Vilar Formoso), iniciou-se em Outubro de 1878 e terminou em Junho de 1882.
Faz amanhã 126 anos que se fez a inauguração oficial, ou seja a 3 de Agosto de 1882.
O trabalho foi executado por uma única empresa concorrente, a Societé Financière de Paris.
Não restam dúvidas que na Linha da Beira Alta, a Empresa de Gustavo Eiffel construiu entre 1880 e 1881 algumas pontes, das quais a Ponte das Várzeas, Ponte do Miligioso (vale de tronco) e Ponte de Trezoi(terminada em 1881).
É certo que estas pontes sofreram alterações, não sei o porquê. As datas rondam a 1955/56.
As obras da ponte de Trezoi foram inauguradas em 20 de Agosto de 1956.

LUIS FERNANDES disse...

Meu amigo AFROLUSO, muito obrigado pela achega. Faz sentido tudo o que diz, embora, saliento, há muito boa gente que afirma de mãos postadas em oração que esta actual ponte é (foi) de origem Eiffeliana. Provavelmente saída de alguma firma com o seu nome, como diz e bem.
Obrigado pela ajuda.
Um abraço e comente sempre.

LUIS FERNANDES disse...

Meu amigo alcides Rego, muito obrigado, mais uma vez, pelo seu esclarecimento.
Igualmente tal como diz o Afroluso faz todo o sentido tudo o que diz.
Provavelmente, tendo em conta as datas, teria sido a primeira ponte aquela que foi mesmo construida por Eiffel. As alterações subsequentes -não se sabendo o porquê, como diz- é que nos deixam, a todos,na dúvida.
Um abraço e obrigado.

Alcides Rego disse...

Caro Luis Fernandes,
segundo o que consegui apurar, em 1953 é adjudicada à firma alemã Fried Krupp Stahlban Rheinhausen a renovação das pontes metálicas da Linha da Beira Alta por 45 mil contos.
Estes trabalhos foram concluídos em 27 de Maio de 1958.
Um abraço.

Aida Freitas Ferreira disse...

A adjudicação foi efectivamente feita à Entreprises Générales. Neste caso Edmunond Bartissol, engenheiro e empreiteiro francês era o Director e de Jean-Alexis Dauphin Duparchy,também engenheiro era o responsável pela obra. Nesta sociedade, assim como noutras contaram com a colaboração de Eiffel em algumas obras, nomeadamente as pontes metálicas. Um outro engenheiro que aí trabalhou foi Paul Marmy.